Ónus é deixar que seja Lisboa a reorganizar o território

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Foto: Gonçalo Manuel Martins

Por que foi adiada a aprovação em Conselho de Ministros da proposta de lei para a reorganização administrativa?

A redação está pronta, mas, apesar de esta lei não requerer mais do que a maioria simples, achamos essencial haver um esforço no sentido de discutir os principais pontos com o Partido Socialista.

Por que partiu para o debate, em torno do Documento Verde, com uma matriz tão fechada, em matéria de critérios orientadores, neste ponto da reorganização do território?

Porque temos plena consciência de que, a não ser assim, iniciaríamos simplesmente um debate filosófico sobre a questão. Mas queríamos mais. Por isso definimos um conjunto de critérios, que sempre dissemos serem de orientação, com três níveis de densidade demográfica: baixa, até 100 habitantes por quilómetro quadrado; intermédia, de 100 a 500; elevada, para mais de 500. Depois, com o INE e o Instituto Geográfico, chegámos a uma metodologia para balizar a malha urbana. A partir daí surge o único critério quantitativo que vai aparecer…

Qual?

Eu não posso revelar ainda qual é, mas será a definição de um percentual mínimo que será maior na malha urbana do que fora. A proposta de lei permite ainda que os órgãos autárquicos, que conhecem naturalmente melhor a realidade, possam dizer que a freguesia A ou B não pertence à malha urbana mas sim às outras. Ou seja, confere aos órgãos autárquicos a flexibilidade de se pronunciarem e fazerem a sua própria reorganização administrativa. Mas, claro, respeitando os patamares mínimos.

Também aí pode haver flexibilidade?

Sim. Por exemplo, quando comparamos um concelho de baixa densidade demográfica, como o da Pampilhosa da Serra, com o de Coimbra, esses patamares mínimos vão ter de ser diferentes, claro.

E se houver municípios a decidirem não mexer nas suas freguesias atuais?

Aí, a lei terá artigos específicos que garantem que a reorganização será feita de forma administrativa, ou seja, a partir de cima.

Há quem fale em mudança de estratégia, transferindo para as câmaras e juntas de freguesia o ónus da mudança…

Eu penso que ónus, e enorme, haverá para os municípios que, com as suas freguesias e comunidades locais, achem que há alguém em Lisboa capaz de fazer melhor do que eles a sua reorganização territorial. Vamos falar claro: eu andei por todo o país e falei com centenas de pessoas. A grande maioria concorda com isto. Mesmo até os eleitos locais. É claro que depois é preciso ver como fazer. E aqui surge o tal ónus político. Mas eu acho que ónus é precisamente decidir não fazer.

PS tem “enormes responsabilidades”

O PS, que assinou o memorando, tem–se mostrado mais titubeante…

Eu percebo que, como principal partido de oposição, o PS deixe para o Governo o ponto de partida e as iniciativas. Nós, e é justo dizê-lo, não nos refugiámos atrás do ponto do memorando de entendimento, o que revela da nossa parte honestidade política. Mas é claro que o PS tem aqui enormes responsabilidades e ainda que, lá no íntimo, possa pensar, como todos pensamos, que esta é uma reforma difícil, porque do outro lado estão interlocutores que são políticos, vai ter de convir que este é o momento de agir, de ter coragem, para que não sejamos eternamente um país de reformas adiadas.

Como avalia a tomada de posição da Assembleia Municipal de Coimbra, em que a proposta de um eleito do PSD foi aprovada sem qualquer voto contra?

Vejo de forma natural. Mas respondo com outra pergunta: quantas pessoas estariam, no seu íntimo, a dizer para si próprias, durante a reunião: “Vamos mesmo ter a coragem de mudar”? Em Coimbra, pelos vistos, não houve nenhuma… O concelho de Coimbra tem 31 freguesias, tem freguesias urbanas minúsculas, num modelo de 150 anos. Hoje a realidade é outra, as comunicações são outras, a mobilidade é outra, as novas tecnologias podem ajudar a prestar melhor serviço público.

Parece-me ler uma crítica ao papel do presidente da Câmara de Coimbra…

Deixe-me responder pela positiva: na semana passada estive no distrito de Vila Real e a maioria dos municípios, que até são do interior –há muita gente por aí que enche a boca com o interior sem saber o que isso é –, está perfeitamente preparada para a mudança. E porquê? Porque as lideranças locais arriscaram e comprometeram-se. Mas, enfim, cada um tem o seu estilo.

Também acha, como Miguel Relvas, que os autarcas em Portugal nunca foram capazes de ser ousados?

Admito que há pouca capacidade de risco, nas autarquias. Entre fazer tudo dentro do padrão preconcebido ou, como agora se diz, “sair fora da caixa”, a opção é quase sempre por fazer certinho. Sendo certo que quem sai fora da caixa facilmente se distingue, em Portugal. Mas a maioria dos autarcas já percebeu que os grandes desafios que têm pela frente são, hoje, profundamente diferentes. O tempo das infraestruturas e dos equipamentos já lá vai. Agora é o tempo de mexer com o resto, de estimular e ligar em rede todas as instituições e os atores locais e não só.

Autarquias às vezes comportam-se como o pato

Isso implica uma visão estratégica muito bem definida…

Pois… Sabe, eu costumo dizer que as autarquias portuguesas, por vezes, comportam-se como o pato. O pato sabe andar, sabe nadar e até sabe voar, mas faz é tudo mal…

Porquê?

Porque faltam prioridades e as autarquias não podem ter todas as mesmas prioridades e é, aliás, aqui que entra a dimensão intermunicipal…

Intermunicipalismo

Mas por que tarda tanto o novo quadro legal das comunidades intermunicipais?

Não tarda. Mas tudo isto tem uma história, que começou com o associativismo intermunicipal para aproveitar os fundos europeus. Depois, em 2003, o agora ministro Miguel Relvas tentou lançar as bases para as comunidades urbanas. O Governo de José Sócrates achou que não e que deveria apostar em comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas. Agora, também porque achamos que não pode continuar este ciclo de mudanças de cada vez que muda o governo, resolvemos manter o modelo e consolidá-lo. E o que dizemos é que é essencial consolidar o modelo de gestão e modificar o modelo de governação.

Como?

Olhando, por exemplo, aqui para o Baixo Mondego, podemos comparar os recursos humanos que estão afetos aos municípios com a estrutura que integra a CIM. De um lado são milhares e do outro meia dúzia. Ora, isto revela a perspetiva individualista com que os municípios olham para as suas próprias competências. É aqui que o Governo intervém e, a partir das experiências-piloto em Aveiro e no Alto Minho – e também aprendendo com o que se faz noutros países –, diz que é preciso reforçar este nível de competências intermunicipal. Só assim é possível poupar dinheiro e libertar recursos para fazer outras coisas.

Que novo modelo de governação preconiza para as CIM?

No modelo atual, as CIM são governadas por um conselho diretivo, composto pelos presidentes de câmara, que se reúnem de 15 em 15 dias. Depois há uma assembleia intermunicipal, que emerge das assembleias municipais. É muito curto. Precisamos de um modelo que reforce o poder político diretivo da CIM e da área metropolitana. Para isso é essencial mexer na lei eleitoral autárquica, que vai diminuir algumas centenas de vereadores a tempo inteiro, em todo o país, o que por sua vez permite criar mais uns 50 ou 60 cargos a tempo inteiro, ao nível intermunicipal.

CEFA não pode viver só à conta do orçamento

Como comenta a situação criada na Fundação CEFA?

O presidente do conselho de administração demitiu-se. Está no seu direito. Por isso, o que agora temos de fazer é nomear uma outra pessoa…

Já tem nomes?

Como sabe, segundo os estatutos da fundação, quem propõe o presidente é a ANMP, de acordo com o Governo.

Mas é um problema?

Eu olho para o CEFA como um diamante em bruto. Ou seja, com todos estes desafios novos da administração local e com as profundas mudanças, até nos protagonistas, que aí vêm já em 2013, não tenho dúvidas de que o CEFA vai voltar a cumprir um papel essencial, não só no pessoal dirigente mas também nos próprios eleitos. Mas, evidentemente, o CEFA tem de ter uma estratégia clara e ambiciosa que não pode mais passar por fazer a sua vidinha normal à espera e às custas apenas e só das transferências que vêm do Orçamento de Estado. No fundo, enquanto tutela, o que desejo é que o CEFA “agarre” este modelo de fundação e desenhe a sua independência, evidentemente em articulação com o Governo e com a ANMP.

Tenho a esperança de que haja fusão de municípios já

Que relação existe com a Associação Nacional de Municípios?

É um relacionamento institucional normal. Nestes primeiros seis meses, o meu gabinete teve, primeiro, de elaborar o Documento Verde e colocá-lo à discussão pública. Depois, para além da discussão à volta dos outros pilares da reforma da Administração Local, houve que discutir, com a ANMP, a proposta de lei do Orçamento de Estado para 2012. Agora, é preciso ver que quando falamos de municípios falamos de 308 entidades diferentes, com perspetivas diferentes.

Mas reconhece que os municípios têm colaborado pouco, neste ponto da reorganização territorial…

Neste ponto, e noto que, na grande maioria dos autarcas de município, há algum distanciamento. Mas a proposta de lei contém um ponto para prever fusões e eu ainda tenho a esperança de que haja um ou dois casos que possam acontecer e servir de exemplo para outros. Já temos, aliás, alguns contactos estabelecidos.

O que preocupa mais os municípios, neste processo?

Não sei, mas veja-se que há áreas que os afetam diretamente, como as questões que tratam do setor empresarial local, que vão mexer com os municípios, e bastante, pois muitas daquelas entidades não têm condições para existir enquanto empresas. Também a lei eleitoral autárquica vai mexer, ao diminuir o número de vereadores a tempo inteiro. Por outro lado, o que já consta do Orçamento de Estado e a lei que vamos construir também afetam as estruturas organizacionais das autarquias, com a redução do número de chefias, tal como vai suceder com tudo o que tem a ver com o intermunicipalismo – que é um dos pontos fulcrais da reforma – e a nova Lei das Finanças Locais.

Limitação de mandatos é mesmo a sério

É um defensor acérrimo da lei de limitação de mandatos?

Sou, desde o tempo em que era autarca. Mas a lei vai ser pela primeira vez aplicada em 2013 e há vários pontos a esclarecer, nomeadamente, através de conversas com o PS. Por um lado, a aplicação apenas ao presidente de câmara da limitação. Eu pergunto porquê. Há situações em que a criação das teias de poder, as tais que a lei quis evitar, verifica-se com outros membros do executivo. Por outro lado, é impensável que o que foi presidente possa ir agora em segundo lugar ou outro. Depois há um ponto que está agora em foco, que tem a ver com a questão territorial. A limitação aplica-se ao município e não ao vizinho ou a qualquer outro ponto do país. De resto, isso criaria até um problema constitucional, ao proibir-se um cidadão de concorrer a uma determinada câmara no seu próprio país podendo ele, até, candidatar-se num outro país europeu.

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