Marisa Matias
Em setembro de 2011, o Tribunal Constitucional alemão decretou que os eurobonds iam contra a legislação europeia. Esta decisão veio, assim, dar cobertura legal à teimosa posição de Angela Merkel que, como sabemos, sempre se opôs à emissão de obrigações públicas europeias.
Essa possibilidade permitiria baixar muito a pressão que existe actualmente sobre os países sob resgate, como é o caso de Portugal. A mutualização das dívidas soberanas seria ainda uma materialização da tão falada mas pouco praticada ‘solidariedade europeia’.
Nesse mesmo mês de setembro, Passos Coelho veio reforçar a sua proximidade de pensamento com a senhora Merkel, afirmando que “não podemos olhar para um princípio de obrigações europeias como uma forma de resolvermos os problemas que temos agora de excesso de divida”. Já íamos nós em Dezembro e para a chanceler alemã a emissão de eurobonds continuava a não contribuir “para a resolução da crise”.
Este recordar dos factos pode parecer até desnecessário, conhecemo-los bem. Acontece que esta semana a senhora Merkel tomou uma decisão curiosa: apoiou a emissão de obrigações de dívida pública alemã destinada aos Länder, os Estados regionais que compõem o Estado Federal Alemão. Com esta aprovação a mensagem é clara.
Mão-de-ferro no que à Europa toca, mas dentro de portas as contas são outras. Traduzido por miúdos, a emissão de bonds aplicável aos Länder alemães permitirá reduzir as suas disparidades internas, procurando ainda garantir que todas as regiões fiquem abaixo dos 60% de dívida face ao PIB nacional.
Há, de facto, muitas Alemanhas dentro da Alemanha. Essa fortaleza que se impõe e sobrepõe aos interesses da União Europeia é feita de retalhos. A austeridade também lá vive e as desigualdades entre os Länder são por demais conhecidas. Vista de dentro, a Alemanha não é assim tão diferente da Europa no seu conjunto. O gigante também tem os seus liliputianos. Numa altura em que qualquer pessoa conhece bem o rosto da senhora Merkel, e a ele nada associa de bom, na Alemanha ela parece renascer, com nova subida nas sondagens, recorrendo a medidas como esta.
A Alemanha é novamente excepção e a senhora Merkel pode dar-se ao luxo de uma solidariedade selectiva porque sabe que nós nunca lhe poderemos pedir contas directamente. Ou será que podemos?