Aires Antunes Diniz
Ao longo dos anos que já vivi, fui assistindo ao sucessivo endividamento do Estado Português. Contudo, quase nunca percebi a lógica deste endividamento e também a razão do crescimento das dívidas de algumas autarquias mais próximas de mim. Recorrendo à lógica de Anselmo de Andrade, um economista do tempo da monarquia, o endividamento só se justifica se da sua aplicação resultar um retorno que o permita pagar. Contudo, o século XIX, em que a dívida pública portuguesa aumentou muito, teve também momentos em que se noticiava que uma lei autorizou “o Governo a adiantar anualmente à Companhia do Caminho de Ferro do Mondego até determinada quantia para pagamento da anuidade necessária ao juro e amortização de um empréstimo a emitir pela referida Companhia.”1 Foi assim que o nosso país se desenvolveu, mas todos sabemos que sempre houve custos excessivos para os investimentos efectuados, prejudicando o nosso desenvolvimento.
Foi o que também aconteceu nos últimos anos após a nossa entrada na União Europeia/CEE, cujos fundos desaproveitámos por má administração pública associada a péssima engenharia e a vergonhosa justiça, que possibilitou muitos oportunismos. Foram os que degradaram a nossa imagem perante o mundo e nos levaram à situação desastrosa em que vivemos. De facto, como todos sabemos, se os fundos que recebemos nos permitiram aceder a benefícios civilizacionais mais cedo do que teríamos acedido se nos tivéssemos mantidos isolados, a nossa má administração que, colectivamente, permitimos por laxismo e por um deixa andar suicida, criaram situações de destruição do nosso aparelho produtivo, que nunca deviam ter acontecido.
Por isso, infelizmente, vivemos momentos de aperto que nos fazem perder parte dos progressos já alcançados, sendo agora importante e imperioso combater por todas as formas este retrocesso civilizacional. Na verdade, o pensamento económico dominante dá como único remédio mais austeridade e, pior ainda, se a dose falhar reforçam-se ainda mais os cortes orçamentais e, por consequência, agrava-se recessão como já se anuncia. Estranhamente, também o governo não parece ter mão no poder económico, cujo comportamento maximizador de lucros sem impostos contribui para o agravamento da crise. Também quando todos desejávamos que fosse recuperado algum dinheiro desaparecido na enxurrada de escândalos que conhecemos, a justiça parece inoperante por força da teia larga de interesses.
De facto, precisamos de produzir com inteligência e a batota, ou seja a corrupção, só nos prejudica na competição económica. E se esta se faz também com endividamento, saibamos fazê-lo sem repetir os erros do passado.
1 Thomaz de Mascarenhas – Dívida Publica Portuguesa – Repertório de Legislação, Lisboa, 1904, p. 356.