“Seremos os primeiros a bater o pé ao Governo”

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Foto de Gonçalo Manuel Martins

O finalista de mestrado em Engenharia Biomédica, Ricardo Morgado, foi eleito o 104.º presidente da direção geral da Associação Académica de Coimbra (DG-AAC). Ao DIÁRIO AS BEIRAS, o estudante, de 22 anos e natural de Gouveia, assume como prioridades o financiamento do ensino superior e a ação social escolar. A tomada de posse é em janeiro.

Emocionou-se quando soube que tinha vencido as eleições para a direção geral da Associação Académica de Coimbra (DG-AAC)…

Sim, emocionei-me. Foi um processo tão longo, tão exaustivo e difícil… Fiquei feliz por termos sido eleitos, por termos apresentado um projeto consistente e pelo facto desse projeto ter sido valorizado. Entretanto, já reunimos com o Sr. reitor e estamos a colocar tudo em ordem para começar a trabalhar a sério em janeiro. Estou mais do que motivado. Somos humildes. Sei que vou ter que aprender muita coisa e que só com o tempo é que me tornarei presidente da AAC. Mas estou preparado e disposto a aprender para defender os estudantes da Universidade de Coimbra.

Tem 22 anos. Porquê esse desejo de querer ser presidente da AAC em tempos que se adivinham tão difíceis?

Sempre gostei de desafios. Não quero usar este cargo – nem o farei – para meu proveito pessoal. Ainda sou novo e olho para a política da forma que ela deve ser vista: a trabalhar e a servir a comunidade. E por onde passei – fosse na associação de estudantes da minha escola secundária, na JSD, ou aqui na AAC –, sempre tentei trabalhar para os outros. Enquanto continuar a ver a política desta forma, ficarei muito contente se me derem confiança para fazer a diferença.

Como correu a primeira reunião com reitor da Universidade de Coimbra?

Falámos muito, sobretudo sobre a questão do financiamento do ensino superior. Temos muito em comum nessa questão. Nenhum de nós quer um aumento de propinas nem pretende ir por esse caminho. Falámos da visão que temos para o ensino superior. Penso que a discussão, este ano, deve ultrapassar as coisas mais concretas. A verdade é que o ensino superior, como quase tudo neste país, tem sido pensado a breve prazo, para o presente e nunca para o futuro. Por isso é que Portugal continua nesta crise que não é de agora. Se o ensino superior fosse considerado uma ferramenta de desenvolvimento, como em muitos países desenvolvidos, não teria havido 100 milhões de cortes nas verbas como houve neste ano, não teria havido um corte na ação social que, aliás, deve ser reforçada em tempos de crise. Enquanto se pensar no ensino superior desta forma, Portugal não conseguirá projetar esta geração de modo a que ela seja capaz de ultrapassar os desafios que o país tem pela frente. No ano passado fiz Eramus na República Checa, onde os estudantes não pagam propinas, onde a maior parte recebe bolsas. E é dos países com maior índice de crescimento na União Europeia. Isso deve querer dizer alguma coisa.

Ainda há estudantes a deixar a Universidade de Coimbra por questões económicas?

Sim. E há cada vez mais quer em Coimbra, quer nas restantes universidades. Não é difícil entender porquê: neste momento sai mais caro estudar na universidade. As propinas estão caras (rondam os mil euros) e para o ano vão ultrapassar os 1000 euros devido à atualização pela inflação. Este ano, todas as bolsas vão descer, porque o valor de referência diminuiu. Além isso, apesar de a AAC ter registado uma grande vitória em 2010 com a retirada das bolsas do decreto 70/2010, este governo elaborou um novo regulamento de atribuição de bolsas em que foi buscar pontos ao decreto. Este ano, há 10 mil estudantes sem bolsa. Depois há outras coisas: a habitação em Coimbra está mais cara, a alimentação também – o prato social já vai em 2,40 euros –, os transportes, a luz… Há estudantes cujos pais ficaram entretanto desempregados. As pessoas que têm que fazer opções.

Os estudantes pedem ajuda à DG-AAC?

Já no ano em que eu estive na DG-AAC (em 2010) havia alunos a pedir ajuda. Agora há mais casos de estudantes que vêm à DG-AAC porque estão a precisar de comida e a passar fome. Isso leva, quase sempre, ao abandono escolar. É dramático. A ação social não pode ser encarada como uma esmola ou como uma ajudinha para quem precisa, mas sim como um estímulo e como uma garantia de que há igualdade de oportunidade para quem quer formar-se e ajudar este país.

Acompanhou o ex-presidente da AAC Miguel Portugal na vitória de 2010 ao serem retiradas as bolsas do decreto 70/2010…

Sim. Esse processo fez-me acreditar muito que a académica pode fazer a diferença quando quer. Estive com o Miguel nesse processo e foi um dos dias mais felizes da minha vida.

Uma das propostas que a sua lista apresentou foi a criação de um minimercado social…

Essa ideia pode ter várias formas: é, sobretudo, direcionada a estudantes em situação de carência. Neste projeto poderão participar outros estudantes ou instituições que cedam material, de modo a que se possam vender produtos a preços mais baixos. Mas apresentámos uma outra proposta que visa criar, juntamente com as instituições sociais de Coimbra, um programa de apoio a estudantes em risco de abandonar o ensino superior por carência económica. Não queremos, nem devemos substituir o Estado, pois esse não é o nosso papel. Queremos ter um mecanismo de ação caso este falhe.

Defende, também, uma nova forma de comunicar. Como?

Dou sempre o exemplo da vitória das bolsas, em 2010, porque nessa altura a Académica funcionou como um todo. Isso passa por uma estratégia de comunicação e por uma imagem una. Era isso que eu gostaria de ver. Podemos fazê-lo de outra forma melhor, através do website que, na minha opinião, ainda não corresponde à dimensão da AAC. E, depois, usando também as redes sociais que são, seguramente, a melhor forma de comunicar. Estamos a adotar, sobretudo, uma política de proximidade. No fundo, todos somos estudantes. É certo que existe uma hierarquia, mas também tem que haver um espírito de entreajuda e de disponibilidade. Conto com todos para trabalhar, para participar e para pensar numa academia com um futuro melhor.

Estas foram as eleições mais participadas – e disputadas – dos últimos anos. Acha que isso foi sinal de algum descontentamento em relação ao mandato precedido por Eduardo Melo?

O que levou tanta gente às urnas foi o facto de terem surgido vários projetos candidatos. E também já o disse: a questão das demissões no anterior mandato pode ter causado algum descontentamento no eleitorado.

Na reunião com o reitor, a questão das taxas de utilização do Estádio Universitário foi abordada?

Sim, e nessa área discordámos. Se as secções da AAC tiverem que pagar taxas, tal pode colocar em causa a sua existência. Acho que é possível apresentarmos uma solução para que, de certa forma, seja feita uma rentabilização do Estádio Universitário. Entendo que, com todos estes cortes, haja necessidade de uma reestruturação da gestão do estádio, mas não pode passar por colocar a conta, simplesmente, do lado da AAC. Acredito que há outras formas de o fazer e comprometemo-nos apresentar uma proposta nesse sentido em janeiro.

E falou-se da requalificação do estádio?

A Académica tem tido um papel fundamental na requalificação do estádio universitário, mas agora, mais importante do que a requalificação, é conseguir dinheiro para a sua manutenção. O desporto foi o que mais sofreu com os cortes na UC. As taxas podem, no final do ano, atingir valores bastante elevados, o que é completamente insuportável. Ainda mais porque as verbas do desporto do município também vão ser reduzidas. Fala-se que serão reduzidas para um terço.

E em relação às taxas de utilização da Praça da Canção…?

Além de quererem reduzir as verbas do desporto em um terço, querem que os estudantes paguem taxas e que paguem pela utilização da Praça da Canção… Não sei se querem continuar a ter uma AAC com tudo o que ela tem oferecido à cidade. A UC é o número 1 da Europa em desporto universitário e quem suporta todos os custos é a AAC. Estamos a falar de muitos milhares de euros que foram investidos nestes últimos anos para que conseguíssemos ser os melhores da Europa. Mas quem vai lá, joga com a camisola da UC e não com a camisola da AAC.

E em relação ao TAGV ?

De há uns anos para cá passou a ser cobrada à AAC a sua utilização. Pagamos dois mil euros por cada vez que queremos realizar qualquer atividade. Isso é bastante complicado quando queremos promover a cultura. Mais vale tirar o “Académico” e passar a chamar-se Teatro de Gil Vicente. É óbvio que tem uma programação excelente, mas penso que as coisas podem ser consolidadas.

A concessão do bar da AAC ao In Tocha foi uma questão muito debatida nesta campanha…

Sim. A rescisão do contrato tem que ocorrer até março. Ainda pode ser esta DG-AAC a fazê-lo, mas depois abre-se um novo procedimento concursal. A concessão termina em abril de 2013, mas o In Tocha terá sempre direito de preferência, ou seja, basta cobrir a melhor proposta e terá sempre o direito de preferência pelo bar. É um contrato que existe e que tem que ser respeitado pela AAC. No entanto, o contrato será rescindido e será aberto um novo concurso durante o próximo ano. O objetivo é fazer um caderno de encargos que consiga garantir o máximo de mais-valias da AAC, sem nunca por em causa quem vem para aqui.

Foi militante da JSD. Esse facto pode, de algum modo, limitar a sua ação quando for “obrigado” a reivindicar alguma coisa ao atual Governo?

Não tenho qualquer problema. Por exemplo, quando foi a questão das bolsas e do decreto 70/2010, essa foi uma medida aprovada pelo PSD no PEC. Agora é diferente porque o PSD está no Governo. Mas eu vou ser presidente da AAC e as minhas cores vão ser apenas duas: o preto e o branco. Não terei qualquer problema se o governo não agir de acordo com os nossos interesses. Seremos os primeiros a bater o pé.

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