Marisa Matias
A refundação da Europa, prometida à exaustão nas últimas semanas, é uma farsa. A cimeira agora realizada pouco ou nada trouxe de novo a não ser uma garantia de austeridade muito para além de 2014.
Espera-se que as medidas agora acordadas pela maioria dos países da União – os 17 da zona Euro a que se juntaram outros voluntários – sejam ratificadas até Março de 2012. Mas que medidas são essas? Em primeiro lugar, recuperam as que já vinham sendo avançadas cimeira após cimeira: sanções e punições para os países em maiores dificuldades e, no caso dos países “resgatados”, a correcção dos orçamentos nacionais pelas instituições europeias antes de serem entregues aos respectivos Parlamentos, que se pronunciarão sob chantagem.
Por outro lado, estas medidas “presenteiam-nos” com o reforço dos objectivos do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Uma das “novidades” mais graves desta cimeira diz respeito, aliás, à recuperação da velha ideia de “défice zero” deste mesmo Pacto, que não havia prosseguido antes porque os Tratados “generosamente” o ampliaram para 3%. O que o governo alemão agora impôs foi a sua redução para 0,5% com a já habitual anuência e cumplicidade da maioria dos governos, incluindo o nosso.
Trocando por miúdos, o corte do subsídio de férias e do subsídio de Natal foi apresentado como uma medida de excepção para durar apenas em 2012 e 2013. A partir daí, o défice português estaria nos 3% e os pensionistas e funcionários públicos recuperariam os seus subsídios. Com esta decisão do Conselho, e tendo o défice de recuar até 0,5%, acabou-se a margem para qualquer recuperação dos subsídios perdidos. O que Berlim está a impor a Lisboa é que a perda dos subsídios seja para sempre e, além disso, que a política de cortes nas despesas sociais seja também para prosseguir. Como ela já vai no osso…
Por fim, a proposta de constitucionalização do limite do défice e da dívida em cada país corresponde, na prática, a uma expropriação da democracia em matéria de escolha sobre as políticas económicas e orçamentais.
Com efeito, qualquer hipótese de uma política económica que em contexto de crise procure relançar a economia com recurso ao investimento público é posta fora da lei e, pior ainda, tem como consequência a suspensão dos fundos europeus. Tudo isto é puro veneno para a saúde dos países mais frágeis, matando-se o paciente com o remédio.