É difícil falar de esperança nos dias que correm

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Marisa Matias

Pressentimos, e a realidade procura não desmenti-lo, que tudo vai correr mal. Um ano novo à porta e esta parece mais escura do que nunca. Em dias consecutivos, como diria Sérgio Godinho, “uns de nós ainda mortos, uns de nós ainda vivos”. A política quotidiana, seja a solo ou em partilha, confinou-se ao espaço do “eu existo”. Se a linguagem de “quem manda” fosse a gíria futebolística não andaríamos longe da filosofia do “correr atrás do prejuízo”. E contentamo-nos?

É difícil falar de esperança nos dias que correm. Será ela matéria exclusiva da mensagem do Cardeal Patriarca de Lisboa? É que do governo só nos falaram de “confiança” e a esperança viu-se atirada para os desígnios da fé. É preciso resgatar cenários alternativos. Aqueles que nos mostram que as coisas podem ser diferentes, que nem tudo está escrito e que a fatalidade fica bem apenas nas páginas de um romance.

Para haver esperança é preciso que haja encanto, também o sabemos.

Ultimamente, encantamo-nos pouco e questionamo-nos ainda menos. Não questionamos o suficiente sobre como é que se faz o dinheiro ou onde é que ele se vai buscar. Pagamos e pronto. Este seria o capítulo final de uma história em que a fatalidade se tornou o fado de um país inteiro. Mas, voltando a Sérgio Godinho, “entre a rua e o país vai o passo de um anão”. E a rua de que nos fala não é uma rua qualquer: é de má fama e os perfumes cheiram a lama. Nessa rua moram os que nos dizem que não há vida para além da troika. E por muito improvável que possa parecer a contra-afirmação é clara: sim, há vida para além da troika. A nossa.

A força que trazemos nos braços não nos pode servir apenas para obedecer, para nos pôr de bem com os outros e de mal connosco. Há caminhos alternativos, há iniciativas cidadãs a decorrer, como a da auditoria à dívida, há posições a tomar sobre se queremos calar perante mais “imposições dos mercados” ou se não nos deixamos desistir do que resta do nosso Estado social e procurar melhorá-lo. Temos voz para ser usada e não estamos forçados a dançar o tango. A dança que temos de construir envolve-nos a todos. Por uma última vez, voltemos a Sérgio Godinho: “pisemos a pista, é bom que se insista”. O ano de 2012 ainda não está escrito. Já agora, vamos lá à outra ideia feita que partilhamos: o que aí vem pode sempre ser pior. Basta que nos resignemos.

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