Norberto Canha
Passam-se salvo erro 28 anos do desastre de Alcafache. Chocaram dois comboios. Incêndios. Como se portou o Hospital da Universidade de Coimbra e como foi correspondido o seu apelo? É isto que vou relatar.
Ao tempo era director dos Hospitais da Universidade de Coimbra – por eleição – e tinha como companheiros da Administração José Lopes Carvalheiro, Júlio Reis, enfermeiros Arlindo e Garrido.
Seriam aí 20 horas quando chego a casa e vejo na televisão a notícia do desastre; felizmente veio a ter menor amplitude do que se julgava. Como procedi, como procedemos, não havia tempo para mais.
De minha casa telefono, ao meu mestre, professor Fernando de Oliveira: – delego em si autoridade para convocar todos os serviços para que dentro de uma hora estejam a funcionar todas as salas de operações. E assim foi!
Já no hospital telefono para o Dr. Ferraz, director do Hospital Militar e pessoa amiga, a dizer o porquê e que tínhamos necessidade de 150 camas naquele hospital. Hesitou! Disse-lhe então que aquele telefonema traduzia a atenção para com aquele hospital e seu director e que se não fosse atendido, passava a ser com o senhor comandante da Região Militar. Não demorava muito tempo para responder que contássemos com elas.
Passei pelo banco de urgência e dirigi-me ao chefe de equipa, distinto cirurgião Francisco de Castro e Sousa: – daqui ninguém arreda pé, passou-se isto.
– Mas nós ainda não jantamos.
– Homem, não terá dinheiro, se for caso disso, para pagar a refeição aos seus colaboradores? Telefone para o restaurante Aeminium, em meu nome, para dizer quantas refeições são precisas, o que se passou e que … mandem cá. Foram impecáveis! …
– Que seja visto quantas camas estão disponíveis ou a disponibilizar nos HUC e nas clínicas da cidade. Comparecer todo o pessoal do hospital. Ele poderá funcionar em pleno.
Infelizmente só vieram dois sinistrados. Mas foi feito um telefonema, também de urgência, e por mim para o senhor comandante da Guarda Nacional Republicana, para informar quando partiam as ambulâncias do local do desastre, quantos sinistrados trazia cada uma delas e o grau de gravidade.
Telefonema idêntico para o senhor comandante da Polícia para quando a ambulância entrasse na cidade, a identificasse e nos avisasse.
Merecem todos o reconhecimento do HUC por terem tido um comportamento exemplar.
Já todas as medidas tinham sido tomadas, e não demorou muito tempo, quando chegou o senhor director da Entidade Hospitalar, João Pedro Costa Alemão, e José Lopes Carvalheiro, que depois de me ouvirem disseram: “Mas já todas as medidas foram tomadas. Infelizmente só vieram dois sinistrados. Os outros faleceram. Quantos?”
Mas a gente deste país é gente generosa – vieram da Marinha Grande, Leiria, Pombal, Figueira da Foz – em transporte próprio, tanta gente disposta a dar sangue, e quantos deles, ou quase todos, nunca o tinham dado. Que gente maravilhosa nós somos.
O senhor primeiro-ministro dr. Mário Soares deu um voto de louvor aos HUC, pelo seu comportamento. Não tive a honra de o receber, alguém o fez por mim. É que duas horas depois da hora acordada para estar nos HUC, eu fui para a cama. Estava exausto.
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