“Atentados urbanos”

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Salvador Massano Cardoso

Ultimamente sobressalto-me com relativa frequência quando o estupor do telefone toca. Já mudei várias vezes o toque, mas mesmo assim não consigo evitar um estranho sentimento de angústia.

Olho imediatamente para o visor para ver se aparece o autor da chamada, umas vezes sim, outras não, número privado, e algumas vezes surge um número sem correspondência com um nome.

De acordo com o visualizado começo a antever o que poderá vir do lado de lá na tentativa de esconjurar qualquer má notícia, o que é relativamente fácil quando identifico a pessoa, mais complicado quando se trata de uma instituição e perfeitamente impossível no anonimato. Estou farto. Só me sinto bem quando não toca. Uma maravilha, uma graça divina, que aprecio cada vez mais.

Acabo de almoçar. Sou atacado mais uma vez e fico irritado, confirmando-se que, afinal, não tem a ver com o tipo de toque, incomodo-me apenas porque o telemóvel é meu; os toques dos outros não me causam grande mossa, exceto se os donos se lembrarem de “copiar” os meus. Nestes casos levo alguns segundos até saber quem é o real proprietário, quanto aos outros, com toques diferentes, até acabam por me divertir com as suas melodias, pois não, a conversa eletromagnética não me diz respeito, passa-me ao largo.

Não conheço o número e, à cautela, deixo que o outro lado se espraia dizendo o que quer. Um silêncio pronto a fabricar a resposta adequada. Ao fim de alguns segundos entendo a pretensão e começo a responder um pouco mais aliviado. A chaminé larga fumos? Se deita não é por estar a queimar resíduos, não senhora, são fumos que se libertam quando põem a caldeira do aquecimento a funcionar. E enquanto não estiver quente sai muitas partículas, muito fumo, mas depois desaparece.

Sei, porque tive oportunidade de interpelar a direção do hospital a esse propósito e as explicações foram essas. Considero-as plausíveis, embora os fumos sejam aborrecidos e momentaneamente perigosos, mas é devido à queima da nafta durante o arranque. Pronto! Consegui acabar com uma eventual e interessante notícia.

Mas já que estávamos a conversar, perguntou-me se não tinha algumas novidades ou notícias sobre o ambiente da cidade ou iniciativas a realizar, o que fez com que libertasse a língua. E libertei. O telefonema não era para me chatear, nem para dar más notícias, e aproveitei para dizer o que achava, o que pensava, enfim, deu-me na bolha para dizer algumas coisas.

A cidade está cada vez mais barulhenta, o ruído é o principal problema, muitos cidadãos queixam-se por não conseguirem descansar, alguns chegam a sair da cidade para irem dormir a outras localidades, há uma profunda falta de respeito pelo sossego dos demais, a autarquia anda surda às queixas, embora seja a principal responsável porque é quem licencia, as autoridades fazem o seu papel, que, como sabemos, é, na prática, uma espécie de faz de conta, e os cidadãos que se divertem à custa do bem-estar dos outros estão-se marimbando para os direitos destes. Mas as coisas não ficaram por aqui.

Lembrei-lhe da sujidade crescente, com garrafas, latas, papéis espalhados em vários sítios, o vandalismo urbano, os carros estacionados nos passeios a dificultarem a vida de quem tem a mobilidade reduzida, pondo em risco a sua segurança, as bermas dos passeios demasiado ecológicas para o meu gosto, com ervas a crescerem a torto e a direito, mais a torto do que a direito, os dejetos de caninos a pulularem por tudo quanto é sítio revelando a sujidade cívica dos seus proprietários, o cheiro a urina, e não só, sobretudo em certas zonas da cidade, nomeadamente na Alta, Alta que pretende ser património mundial da humanidade, só espero que na candidatura não enviem amostras do material orgânico apensos aos dossiers, e que podem ser encontrados com facilidade nos referidos espaços, enfim, concluí, muito prosaicamente, que a cidade de Coimbra está a ficar porca demais para o meu gosto, em perfeita dessincronização com os seus pergaminhos e pretensões, mas em perfeito equilíbrio com alguns dos seus cidadãos desprovidos do mais elementar sentido cívico, contribuindo para a destruição de uma imagem que deveria ser ímpar e de referência a todos os níveis.

O que fazer para inverter estas situações? Sei lá! Quando uma cidade, que se pauta por possuir tantos neurónios cheios de conhecimentos, se comporta desta maneira, é de ficar desconfiado quanto ao futuro, um futuro de m…

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