Delfim Leão, diretor da Imprensa da Universidade de Coimbra
– Este quase regresso “às origens” foi importante, também do ponto de vista simbólico e de continuidade de uma história antiga e ilustre que é a da Imprensa?
Sem dúvida. Aqui a Imprensa da UC está instalada com a dignidade que merece e que se reflete até no número que já atingiu o seu catálogo acumulado e que é neste momento superior a 14 mil títulos. E este número torna a Imprensa da UC numa das maiores editoras universitárias de toda a lusofonia e, seguramente, numa das maiores do mundo. Porque a história da Imprensa não são os pouco mais de 300 livros editados desde a sua reativação em 1998, mas todo um catálogo anterior.
– Há toda uma história anterior?
Que vem desde 1772, sem contar com o trabalho dos tipógrafos que recua ao século XVI que faz com a imprensa se integre nesse movimento importante do livro e da tipografia. Uma das conclusões a que se chegou com a análise do catálogo é que a média de publicações era quase de 100 obras por ano. Os nossos melhores anos neste momento ainda não atingiram esse número, mas a intenção é chegar lá e depois continuar a crescer, sobretudo agora com o alargamento ao Brasil.
– Há margem para crescer?
Há margem para crescer. Até porque o mercado da edição está em profunda alteração. Nós trabalhávamos sempre com quantidades grandes, mesmo quando eram consideradas grandes na ótica do autor, já eram grandes para o mercado, sobretudo porque o livro científico demora algum tempo a ser escoado. Uma das coisas interessantes que hoje se verifica é a possibilidade da edição de quantidades muito mais pequenas, mas sempre com a possibilidade da reedição da quantidade que se considere necessária, através da impressão digital, crescendo no número de títulos editados e com menos recursos. A nossa intenção é, num objetivo a médio praz, crescer até cerca de 300 títulos por ano.
– E há condições para crescer até esse patamar de publicação?
Há condições a nível de público onde podemos recrutar os trabalhos e também de sustentabilidade financeira. E explico porquê. A Universidade de Coimbra tem cerca de 1.500 docentes e tem algumas centenas de investigadores nas diversas áreas científicas, num número total a rondar os dois mil. Ora, se apenas 10 por cento destas pessoas canalizassem o produto do seu trabalho para a Imprensa, nós chegaríamos facilmente aos 200 trabalhos por ano. E isto só com trabalhos de Coimbra, quando um dos objetivos claros da imprensa é alargar o seu mercado, abrindo-se a outras universidades portuguesas.
– Outras universidades que não têm essa possibilidade de publicação?
Exatamente. Um trabalho no qual nós estamos a apostar muito. Depois há também a Associação Portuguesa de Editoras do Ensino Superior – que a Imprensa da UC está a assumir a direção –, que reúne entidades com atividades muito díspares. Um dos objetivos é tentar aproximar essas universidades, nomeadamente com feiras do livro (decorreram agora em Aveiro e no Porto) que levem às diversas universidades os fundos editoriais que existem, potenciando o conhecimento e a circulação de obras, tornando-nos parceiros e não concorrentes.
– Este é o trabalho a nível nacional?
E estamos a fazer tudo para atingir dimensão, que é fundamental. E, a nível nacional, se chegarmos este ano às 100 edições é já um número significativo, embora, a nível internacional seja ainda muito pouco numa área onde se quer marcar uma posição, na edição em língua portuguesa.
– Alargando à língua portuguesa há um mercado potencial imenso?
Sem dúvida. Nós em Portugal somos 10 milhões. Só Brasil anda pelos 200 milhões e num mercado em pleno crescimento, uma vez que a percentagem da população a frequentar o ensino superior é ainda muito baixa. E depois há um mercado africano, asiático que não pode ser descurado. A lusofonia é um espaço muito vasto e, quando estamos no estrangeiro percebemos, por exemplo, que Portugal cumpre uma função de placa de derivação de contactos do norte da Europa ou do espaço e anglófono com o mundo lusófono, com o Brasil à cabeça, claro, mas também com Angola, Moçambique, com Timor. Que são países que começam a dar nas vistas, não só pelo crescimento económico que têm, mas também pela aposta que virá na formação, na cultura. E aqui, há claramente um campo de afirmação da língua portuguesa, sobretudo na área da comunicação científica, que está por explorar.
– E que importa explorar. O acordo ortográfico pode ter um papel importante nessa afirmação da língua portuguesa?
Independentemente do que se pense sobre o acordo ortográfico, ele é necessário para unificar e dar dimensão à língua portuguesa. E o trabalho em conjunto é fundamental, o que é verdade também para o espanhol. E se nós pensarmos neste eixo do sul da Europa, da América Latina, da África e da Ásia, encontramos muitos milhões de pessoas, muitos milhões de falantes, num campo quase por explorar, sobretudo a nível cultural e científico. A unificação gráfica da língua portuguesa é fundamental sobretudo para os leitores, porque é fundamental que o que se produz seja lido, partilhado, debatido.
– É nessa área que se integra a ligação ao Brasil que a Imprensa da UC inicia agora?
Exatamente. E em dois momentos simbólicos: numa parceria com a editora Annablume, de S. Paulo (que pode ser consultada em http://www.annablume.com.br/). Esta parceria irá permitir-nos editar no Brasil, imprimindo lá, o que facilita grandemente todo o processo. A intenção é estar presente com o nosso catálogo e os nossos autores, numa primeira seleção de cerca de 70, em todos os mais importantes eventos ligados ao livro e à divulgação científica e cultural, feiras do livro, congressos, para a partir dai encontrar nichos de mercado. A sessão inaugural aconteceu a 15 de Outubro, na Embaixada e Portugal em Brasília, onde foram formalmente apresentados os 10 primeiros livros deste projeto, que irá levar as obras da Imprensa da UC a todo o Brasil. Depois, a apresentação aconteceu também no Rio de Janeiro, no grande congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, no Real Gabinete Português da Leitura.
– Um espaço magnífico e emblemático para a língua portuguesa no Brasil?
Que não foi uma escolha nossa, mas dos nossos parceiros no Brasil, precisamente para que este projeto fosse lançado ao mais alto nível. Porque a intenção, para lá da publicação dos nossos livros no Brasil, é estimular a circulação da informação, que é essencial. A intenção é que em dois, três anos, todos os nossos livros estejam disponíveis no Brasil. É claro que também queremos que os autores brasileiros, bons autores brasileiros, sejam publicados pela Imprensa da Universidade de Coimbra.
– Que também interessará aos autores brasileiros?
Sem dúvida. A marca Coimbra, que pode até ser um pouco desvalorizada em Portugal, representa no mundo lusófono o que Cambridge ou Oxford representam no mundo anglófono. E isto é assim no Brasil. E por isso é tão importante a capacidade de afirmação que nós conseguirmos desenvolver.
– É um pouco por aí que tem de seguir o caminho da universidade?
Sem dúvida. Porque é fundamental conseguir afirmar esta mais-valia da Universidade de Coimbra, também por esta via. E o facto de Coimbra ser uma cidade pequena não tem necessariamente de representar um problema, temos de criar condições para os melhores virem para cá, desenvolverem o seu trabalho e acrescentarem alguma coisa a esta chancela, levando algum valor dessa mesma chancela.
– É isso que a Imprensa da UC quer. Publicar e divulgar o trabalho dos melhores e fazê-lo a nível global, para o mundo da lusofonia?
É, claramente. Esse é o melhor processo, porque é bom para os autores que já publicam cá. E por cada bom nome que nós conseguimos atrair, há mais dois ou três que ficam a conhecer-nos e que podem chegar até nós. Este é um meio exigente, precisamos de manter a nossa exigência, mas é preciso aumentar a nossa base de publicação, de leitura e as pessoas que fazem a abordagem científica, dentro e fora do país.
– É fundamental para a universidade esta exposição da sua produção científica?
É cada vez mais fundamental. Não é possível, hoje, vivermos acantonados no nosso mundo e acharmos que todos nos vêm procurar. Portanto, é fundamental garantir que o nome de Coimbra circule em todos os meios e através de todos os seus meios, envolvendo toda a comunidade académica e científica.
– A Imprensa da UC tem contado com esse envolvimento?
Cada vez mais. A participação da comunidade académica e científica tem crescido a olhos vistos. Nós praticamente todos os dias temos propostas, mesmo de setores que não era muito comum. E nós estamos a ver que a Imprensa é hoje encarada como um parceiro que deve estar no topo das prioridades para a publicação dos autores da Universidade de Coimbra. E assistimos também à vontade que os investigadores têm que outros colegas publiquem aqui. E isto tem de ser encarado como uma grande mais-valia, porque só assim conseguimos ter os nossos autores e atrair os que estão fora.
– Relativamente às coleções, há novidades?
Nós temos 20 coleções e são essas que vão manter-se, uma vez que cobrem todas as áreas que importam. E o facto é que as séries que existem se podem desdobrar em novas áreas, correspondendo assim a necessidades que surjam. A única nova coleção que eu sugeri, para lá das que já existiam com o doutor Gouveia Monteiro é o Coimbra Companions, num conceito anglófono, mas muito apelativo, de que já foi publicado o primeiro título – Psicologia das organizações, do trabalho e dos recursos humanos, de Duarte Gomes –, com as edições brochada e cartonada, que dão uma diferença de preços destinada a torná-las acessíveis às diversas bolsas. A intenção é que se editem livros a “visitar” regularmente porque integram as matérias absolutamente necessárias a uma determinada área. E que podem integrar praticamente todas as áreas de especialidade, em edições de colaboração entre diversos autores, em língua portuguesa ou outra. A intenção é ligar a Coimbra a publicação de uma obra que seja fundamental numa determinada área.
– As novas tecnologias são igualmente importantes nesta nova etapa da Imprensa da UC?
Há um projeto estruturante da Imensa e até da universidade de Coimbra em termos gerais, que é a aposta em plataformas digitais. O livro em papel terá sempre o seu lugar, mas é necessários que se assuma que esse lugar estará a par do livro digital, irão conviver ambos e promover-se mutuamente. E nós temos o caso dos Classica Digitalia, dos Estudos Clássicos da Faculdade de Letras, onde temos mais de 1.200 descarregamentos por mês e mais de mil visitantes. O interessante é que nunca vendemos tantos livros impressos como agora, apesar do acesso digital ser livre para consulta.