Massano Cardoso
Recordo ter lido há alguns anos um interessantíssimo texto sobre a famosa frase “À mulher de César não basta ser, terá que parecer”. Uma frase que é usada a torto e a direito dando realce mais à importância do parecer do que o ser.
A história é curta. No dia da Bona Dea (a boa deusa), uma festa orgíaca à boa maneira romana em que participavam apenas as mulheres, Pompeia Julia, mulher de César, a anfitriã, viu-se envolvida num escândalo devido à irreverência de um apaixonado, Publius Clodius, que, vestido de mulher, entrou na festa com o objetivo de catrapiscar a bela Pompeia. Mas a sogra desta descobriu o impostor e foi um escândalo. Ai as sogras, sempre as sogras! César não esteve com meias medidas, repudiou a mulher e divorciou-se. Clodius foi julgado pelo ato e acabou por ser absolvido graças ao testemunho do próprio César que afirmou não saber da atitude sacrílega, e nem duvidava da honestidade da mulher. – Então, porque é que se divorciou? Perguntaram-lhe. Foi então que surgiu a conhecida frase atribuída ao grande César.
No fundo é mais importante parecer do que ser. Esta reflexão tem a ver com algumas pessoas que utilizam estas frase para denegrir outras, pondo em causa as suas posições e respeitabilidade. Resta saber se muitos dos que a utilizam, e que aparentam ser honestos, o serão na realidade. Se forem, muito bem, os meus parabéns, continuem, porque bem precisamos de pessoas assim, se não forem, então, o melhor é estarem calados.
Quem não deverá gostar muito destes abusos é a Pompeia Julia, que deve habitar ainda o céu dos romanos. Muitos falam dela e nem sabem o seu nome, o que é muito chato. Saber se pôs ou não os cornos ao Júlio César, o que é muito aborrecido para um imperador que foi dono de meio mundo, continua em aberto. Não sei se o uso da coroa de folhas de loureiro era para mostrar a sua divindade ou para esconder eventuais excrescências. Imaginem que Pompeia foi mesmo uma adúltera, o que é que poderia ter acontecido? Hoje ninguém falaria dela e o império romano poderia ter-se desagregado mais cedo, fazendo fé de que o Júlio cornudo entraria em melancolia e como não tinha meios para a tratar, ia fazendo uma guerra aqui, outra acolá, aliás como andou a fazer, só que, deprimido, perderia o bom-senso estratégico que o caracterizava e desse modo sairia derrotado. Digo isto no pressuposto de que lhe aconteceria algo parecido às atribulações do chifrudo rei da Dinamarca, Christian IV, um bêbado incorrigível, que conseguiu que o seu reino perdesse toda a importância internacional assim como grande parte dos territórios. Sempre que desconfiava que a mulher o havia traído, caía numa melancolia profunda. Para combater a dor arranjava uma guerra que, invariavelmente, perdia. Como a mulher traía-o com frequência é fácil de ver as consequências.
Júlio César conseguiu descartar-se da vergonha de ser traído pela mulher aos olhos do povo e contribuiu para a criação de uma máxima que vale o que vale, mas que muitas vezes vale mesmo pouco, sobretudo quando é utilizada com certos propósitos pouco confessáveis, e quem sabe se os eventuais honestos, que aparentam o aspeto da maior respeitabilidade, o serão na realidade.
Cá para mim aposto mais na hipótese de que Pompeia Julia deverá ter mesmo posto os cornos ao grande César.
É a vida Júlio, é a vida. A tua frase não me convenceu. Hum! Nem um pouco.