Um poder demasiado local e democrático

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Francisco Queirós

O municipalismo tem uma longa história no nosso país. Os povos medievais procuraram através dos concelhos reduzir os poderes e as dependências dos senhores da nobreza e da Igreja.

No século XIX, com Mouzinho da Silveira em 1832, e posteriormente através de diversas reformas foi-se estabelecendo um poder local exercido em diferentes órgãos, as paróquias ou freguesias, mais próximos dos cidadãos, e diversos outros de maior ou menor dimensão territorial. O fascismo salazarista amestrou o poder local, fê-lo corporativo.

Os presidentes e vice-presidentes de Câmara eram nomeados pelo governo, os vereadores pelo Conselho Municipal, corporativo, os regedores das freguesias eram igualmente nomeados pelo governo.

A Revolução de Abril e o novo quadro constitucional devolveu o poder às populações e democratizou-o. O poder local democrático que emergiu de 1974 é dos principais responsáveis pela melhoria significativa das condições de vida e de bem-estar dos portugueses.

Criaram-se redes de saneamento e de água, abriram-se estradas e arruamentos, limparam-se caminhos, construíram-se cemitérios, desenvolveram-se políticas culturais, desportivas, juvenis. As freguesias, autarquias mais próximas dos cidadãos, deram contributos inquestionáveis às populações. Todos o reconhecem.

O “Documento Verde da Reforma da Administração Local”, verdadeiro documento negro da liquidação de um dos pilares centrais da democracia, reconhece, atente-se no desaforo, que não há autarquias a mais em Portugal. Nos documentos, anexos às propostas arrasadoras, sobejam números e dados que o demonstram.

O programa agora anunciado é o mais grave plano de liquidação da raiz democrática do poder local. Desfigura-se por completo o sistema eleitoral com a eliminação da eleição directa das Câmaras e a imposição de um regime de executivos homogéneos. Não embarcando em comparações populistas e redutoras, não se pode deixar de encontrar semelhanças com o modelo salazarista. Institui-se um regime de finanças locais, assente numa tributação adicional e penalizante sobre as populações. Elimina-se a autonomia administrativa com a substituição de uma tutela inspectiva por uma tutela de mérito e integrativa e com a transferência de competências para estruturas supra municipais. A reforma administrativa com a eliminação drástica de freguesias reduz a participação política, elimina a proximidade entre os titulares dos órgãos públicos e os cidadãos, retira expressão aos interesses locais. A repetição da fracassada reforma de 2003 do então Secretário de Estado Relvas é uma tentativa do aniquilamento do que de mais precioso tem a nossa democracia.

O que agora se desenha é um monstro! Não há sequer ganhos financeiros com esta reforma. A prazo esta trará custos enormes ao país. Portugal sem poder local democrático é muito mais colonizável. Os cidadãos portugueses, sem as suas freguesias, sem câmaras com poderes reais e meios efectivos, ficam muito mais longe de quem manda e decide, ficam mais pobres, ficam sem voz. A democracia, o governo do povo, faz-se com e pelo povo, junto à casa de todos nós!

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