Cortes na despesa

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Maria Manuel Leitão Marques

Professora Catedrática Faculdade Economia / Universidade de Coimbra

Quando em nossa casa queremos reduzir a despesa, olhamos primeiro para o que nos consome a maior parte da receita e depois para o restante, mais que não seja por princípio ou disciplina. Distribuímos os sacrifícios e procuramos mobilizar todos os que lá residem. E se possível melhoramos a nossa produtividade.

No Estado, o exercício é semelhante. A dificuldade é que as grandes despesas estão na educação, saúde e segurança, serviços essenciais e de grande sensibilidade. Ai está também a larga maioria dos funcionários públicos (excluindo as autarquias). Admitindo ser possível alguma racionalização, convenhamos que não será simples dispensá-los.

A tarefa é portanto muito exigente. Na verdade e ao contrário do que se diz por aí, pelo menos desde 2005 que se fazem esforços importantes para racionalizar os gastos públicos (na saúde, na educação, na segurança, no número de entidades e cargos dirigentes , nas carreiras, etc.), mesmo que os resultados efectivamente já obtidos possam estar ainda aquém do que a crise, (finalmente) internacional, nos veio agora exigir.

Neste momento, dificilmente chegará extinguir um instituto aqui e outro acolá para atingir as metas pretendidas, mesmo que os seus funcionários fossem todos dispensados. É preciso ser mais ousado para obter resultados sólidos e de longo prazo, sem destruir o Estado nas suas funções essenciais e socialmente relevantes. Exige redesenhar a Administração, no centro e na periferia, pensá-la como um todo e de forma transversal, quebrando silos e combatendo a lógica de minifúndio que carregámos do campo para o Estado. Sendo esta tarefa a mais complexa de todas, temos também a melhor oportunidade para a podermos enfrentar.

Se fosse viável, devia até colocar-se o orçamento de todos os serviços em estado zero. Rever função a função, projecto a projecto de cada um deles. No fim, talvez sobrassem pessoas e meios que estão a mais em alguns lados e a menos em outros.

Parece tudo muito simples? Não é, posso assegurá-lo. Nem sempre os serviços que se julga serem importantes, pelo nome ou pela sua antiguidade, servem ainda para alguma coisa. Nem sempre os que parecem “exóticos” ou “caros” são efectivamente dispensáveis. Às vezes, medidas que parecem ser fonte de economia (não contratar funcionários) não conduzem a cortes na despesa (se os serviços tiverem de ser comprados no exterior). A tarefa exige assim conhecimento profundo da realidade, contas , cenários, equidade, bom senso e coragem para enfrentar as resistências indevidas. Exige criatividade e inovação. Dispensa a demagogia barata que mais tarde ou mais cedo terá um efeito boomerang.

Por tudo isto, seria a última a acusar o Governo de atraso no anúncio dos prometidos cortes na despesa. Tomara o faça de forma ponderada. Pena foi que tivesse alimentado a ilusão de que tudo seria resolvido com um passe de mágica, daqueles que fazem sair um pássaro debaixo de uma manga! Como o passe não resultou, a assistência indignou-se. Não é para admirar!

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