Baixa de Coimbra está muito em baixo

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Mário Nunes

Regularmente e durante bastantes anos fomos passantes e usufrutuários das artérias que se semeiam pela designada Baixa de Coimbra (até editámos um livro sobre o tema, esgotado). E, naqueles tempos de prosperidade as ruas estavam pejadas de pessoas de todas as classes sociais, culturais, económicas, religiosas e dos diversos escalões etários, enquanto os comerciantes não tinha mãos a medir. A Baixa nas suas dezenas de vias circulantes oferecia cor, alegria, movimento e riqueza, qual cortiço ou colmeia para onde se deslocavam os cidadãos, quais abelhas laboriosas que procuravam deixar o néctar que alimentava o enxame.

Em 2003 escrevemos no nosso livro: “a pressa não existe nem pode haver. Fica em casa para não aborrecer. Impossível correr, apressar mais o passo. A ultrapassagem desrespeita o código das boas maneiras, por que a colisão é inevitável”. O espaço fervilhante oferecia, então, (como hoje), quase toda a diversidade de produtos e serviços, pois as lojas e os agentes dos diversos ramos de actividade satisfaziam os gostos e interesses. A par destes valores florescia o convívio, a partilha em encontros, as tertúlias para os diferentes géneros de opinião, a passerelle para mostrar a última moda e agradar ou “conquistar” corações, dar e receber sorrisos e abraços, saber novidades, passear … Milhares faziam da Baixa o centro privilegiado das suas vidas com os mais diferentes momentos e proveitos.

No passado dia 29 de Julho, com vagar para deambularmos pelo “Canal” e pelo labirinto da baixinha, tivemos uma enorme tristeza e um arrepio de desolação. Nas artérias percorridas encontrámos total liberdade de circulação. Adelino Veiga, Eduardo Coelho, Corvo, Direita, 8 de Maio, Sofia e Praça do Comércio, deram-nos a sensação de que passeávamos nas ruas de alguma aldeia do interior de Portugal. Estávamos numa tarde de Verão (depois das 17 horas). Os poucos transeuntes eram, maioritariamente, turistas, com supremacia de espanhóis. Mal refeitos deste “deserto” citadino anotámos as lojas fechadas, dezenas, com escritos para arrendar, trespassar ou somente com as montras tapadas com papel.

Dirigimo-nos às ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges. Cenário idêntico. Aqui e ali turistas. As lojas sem clientes. O Presidente da APBC, Armindo Gaspar, viu-nos e saiu ao nosso encontro. A tristeza estampada no rosto marcava o comerciante desolado. “A clientela reduz-se todos os dias. Apesar de tanta campanha activa para revitalizar o núcleo cosmopolita e correspondidos pelo público e comerciantes aos eventos, sentimos que a engrenagem está enferrujada e custa a olear-se”.

Muito se tem falado e escrito sobra a situação dramática em que vive o comércio da Baixa. Iniciativas de mudança não faltam. Mas, infelizmente, há algo que não consegue quebrar o enguiço.

Apontam-se as grandes superfícies. Mas serão as principais responsáveis? Não houve desleixo na modernização pela maioria dos comerciantes? A deslocação para a periferia com as urbanizações, onde se instalaram serviços e comércio gerais, não constituem outro entrave? E, agora, infelizmente, a indesejada crise que tanto jeito faz aos responsáveis governamentais para justificar políticas erradas, não traz, também, mais angústia, desemprego e desertificação? Mas será que a esperança morre aos poucos? Acreditamos que melhores dias chegarão. Deixámos a Baixa, tristes e preocupados. Caros leitores, vamos de férias.

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