Mário Nunes
Coimbra pode orgulhar-se da Companhia de teatro que abriga no seu território, o Teatrão. Uma instituição que capricha em trabalhar com qualidade e pedagogia e oferecer à cidade, região e país, espectáculos teatrais que testemunham saber, realizam objectivos na apresentação ao público e demonstram a capacidade criativa dos seus actores, encenadores e demais profissionais. Em todas as peças exibidas persiste um sentido pedagógico, uma vertente reflexiva e momentos de humor e de crítica que abraçam, saudavelmente, o espectador.
“Coimbra 1111” desenha-se num palco de rua com um diversificado cenário natural e em que o público assiste e participa no evento. A partir de um momento histórico e autonómico da nossa cidade, iniciado junto ao Mondego então fronteira entre o norte cristão e o sul muçulmano, fronteira instável pelas sortidas de mouros e de cristãos na passagem dessa linha de demarcação, o Teatrão construiu uma peça altamente relevante em que conjuga o medieval e a actualidade, uma linguagem mourisca e um raciocínio cristão, produzindo tempos de hilariante boa disposição e registos de contexto historicista. E, estimula de tal forma as centenas de assistentes que estes integram a peça e acompanham, alegremente, ao som do tambor guerreiro e das vozes de comando, os actores pelas ruas do centro histórico até ao local nevrálgico de há mil, cento e onze anos, a Sé Velha, com episódios de luta, de discussão, de alarido e euforia, nos largos e ruas – Praça do Comércio, Arco de Almedina, Fernandes Tomás (rua das Fangas), Governo Civil (ex-porta de Belcouce).
Participámos, a convite, neste primeiro acto e registámos que o espectáculo histórico fez parar o trânsito, espantar os visitantes das esplanadas, fazer correr os passantes, estimular a curiosidade dos citadinos e turistas e permitir que muitos conhecessem locais que, para alguns, seriam terra de ninguém, por desconhecimento. E, se estes e outros pormenores bastassem para validar um trabalho da lavra de Isabel Craveiro e da sua experimentada equipa, bem acompanhados por alguns grupos de teatro amador do concelho e da periferia, além de alunos e músicos e participantes de outras instituições, pensamos que levar à rua uma lição de história, sustentada na realidade dos textos e refrescada pelo contexto cultural, social e político da actualidade, corresponde a um espírito de auto-estima que pretende envolver a urbe e a população.
Uma viagem no tempo e no espaço que comemora 900 anos do foral, e que nos deleita com as alegres, irónicas, satíricas e oportunas integrações textuais, onde não faltam casamentos para dar mais “cor” vivificante à peça, a taberna, o SNS, as peripécias extravagantes e todo o conjunto de dados históricos que recuam aos espaços privilegiados da Alta de Coimbra.
A concluir: “Em 25 de Maio de 1111, o Conde D. Henrique e sua mulher D. Teresa deram novo foral a Coimbra. Nos privilégios outorgados estabeleceu-se o de que o magistrado, o juiz e o alcaide sairiam dos naturais da cidade e que esta não seria dada de cavalaria a ninguém, regulando-se os direitos e definindo-se os encargos para acabar com a arbitrariedade dos poderosos.” A outorga destinou-se a atalhar descontentamentos e insubordinações, obrigando D. Henrique a conciliação e a reconhecer a autonomia do território, expulsando os dois chefes militares, Múnio e Ebraldo, desrespeitadores dos impostos e costumes locais.
One Comment