Cancro de pele mata cada vez mais em Portugal

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Foto de Gonçalo Manuel Martins

No verão, a praia é destino obrigatório. Mas, numa altura em que o número de cancros da pele assusta, há regras para seguir. O Diário As Beiras conversou com o dermatologista Américo Figueiredo, presidente da Associação Nacional de Dermatologistas, que deixa um conselho: quando a sombra da pessoa for menor do que ela própria, deve fugir.

O que é o cancro de pele?

Existem essencialmente três tipos de cancro de pele. O carcinoma vaso celular que é uma lesão unicamente localizada à pele e sem nenhuma capacidade de sair do local; o carcinoma espinho celular que, embora as pessoas tenham esperança de vida grande, após o diagnóstico, já tem capacidade metastática. E depois, aquele pelo qual todos lutamos e tentamos evitar porquanto, até ao momento, não temos qualquer tipo de terapêuticas eficazes, que é o melanoma. É contra o melanoma que se volta toda a luta dos dermatologistas e dos profissionais de saúde. Porque só o diagnóstico precoce pode evitar que ele venha a tornar-se metastático e, a maior parte das vezes, mortal.

Como se evita ou previne um melanoma?

Sendo uma situação em que o diagnóstico precoce é a chave de tudo, todas as pessoas são chamadas a colaborarem com os profissionais de saúde, a serem elas próprias capazes de identificar uma lesão que se modificou, uma lesão que surgiu de novo e que tem as características que habitualmente, a nós, profissionais, nos leva a fazer ou, pelo menos, a supor, o diagnóstico de melanoma. E essas características envolvem uma mnemónica muito simples que todos devemos saber fazer e que é o a, b, c, d, e do melanoma.

O que provoca esse melanoma?

Nós sabemos que uma das coisas que o provoca é de facto, a exposição ao sol. Mas não é a exposição ao sol crónica e mantida, a dos nossos marinheiros e dos nossos rurais. Essa vai dar origem, a maior parte das vezes, ao carcinoma vaso celular ou espinho celular. São as exposições intensas e esporádicas dos citadinos que leva a que surjam, eventualmente, lesões desse tipo. Sabemos, atualmente, que atinge de uma forma muito mais intensa os estratos sócio- -económicos altos. Ou seja, as pessoas que têm a possibilidade de se expor ao sol de forma acentuada duas vezes por ano. É essa gente que vive todo o ano no seu trabalho à sombra que é muito mais vezes atingida por lesões de melanoma. E em todos os estudos nacionais e internacionais sobressai que o estatuto sócio-económico é extremamente importante e favorecedor da existência de melanoma.

Atinge de forma igual, crianças e idosos?

Atinge fundamentalmente os mais velhos. Contudo, estamos a fazer diagnósticos cada vez mais precoces. Já temos diagnósticos de incidência antes dos 20 anos.

Os números são elucidativos. Quantos casos novos surgem por ano?

Neste momento temos cerca de mil novos casos de melanoma por ano em Portugal. Sendo que este número está a crescer de uma forma praticamente idêntica àquele que cresce internacionalmente e que é cerca de cinco a oito por cento ao ano. Ou seja, a cada 10 anos duplica o número de novos casos de melanoma. Mil novos casos ao ano parece não ser muito, mas são mil casos que, mais de 90 por cento deles, não vão correr bem. Estamos a falar de situações extremamente letérias na medida em que não temos, até ao momento, nenhuma arma importante de tratamento.

E não vão correr bem porque não foram detetados a tempo?

Exatamente. O índice de prognóstico, o índice que nos indica como é que as coisas podem correr após o diagnóstico é a espessura do tumor. E para termos ideia, só tem bom prognóstico, aquele que tenha menos de 0,75 milímetros de espessura. Ou seja, três quartos de milímetro. Isto quer dizer que entre 0,75 mm e 1,5mm, as coisas podem correr de forma razoável. A partir do 1,5 mm de espessura existe um descalabro na esperança de vida do doente pós diagnóstico.

Isso significa que esse sinal pode crescer de forma alarmante quase sem darmos por ele?

Exatamente. Mas crescer em profundidade. Para nós não mete muito medo o crescer de um sinal em extensão, à superfície da pele. Para nós, a grande preocupação é quando ele desce e cresce em profundidade. Daí que o melanoma nodular (espesso) seja aquele que tem pior prognóstico. Felizmente, que o mais frequente é o de crescimento superficial e ainda temos alguma capacidade de lidar com as situações.

Esse aumento do número de casos deve-se a quê? Aos abusos com o sol ou porque ainda não se criou o hábito de ir frequentemente ao dermatologista?

Provavelmente, a ambas as coisas. Mas de facto, as pessoas começaram a ter mais tempo livre, recursos que não tinham há 30 ou 40 anos, o que lhes permite frequentar o sol de uma forma mais intensa do que aquela que devia ser. Por outro lado, há a situação da moda. Neste momento é moda ser bronzeado como nos anos 20 foi moda ser muito claro. Nos anos 20 e 30, as pessoas eram branquinhas para mostrar que não precisavam de ganhar a vida expondo-se ao sol. E de tal forma a moda tinha força, que as pessoas bebiam vinagre para fazer hemorragias digestivas e tornarem-se anémicas. Atualmente, é moda ser-se bronzeado e fazem a asneira de apanhar o sol todo de uma vez e exporem-se nas horas em que não se devem expor, ou seja, entre o meio-dia e as 16H00.

A frequência dos solários também entra no grupo das asneiras?

Essa é asneira ainda pior. Apesar de já estarem regulados por uma lei recente, não o estão suficientemente. Isto é, as pessoas não sabem nunca a quantidade de radiação que sofreram ao longo do tempo porque não há registos, porque é suposto as máquinas só cederem ultravioletas A que não são os mais letérios, mas que podem também causar melanoma. Não há dúvidas quanto a isso neste momento. A frequência de solários devia ser muito mais condicionada. E mais, alguns países estão mesmo a proibir, já que a sua regulamentação é extremamente difícil e há pessoas que se tornam viciadas. É de lamentar, mas as pessoas gostam mais da sua imagem corporal que exibem aos outros, do que do seu fígado, que nunca vêem.

O dia mundial do melanoma é a prova de que o mundo está a ficar sensível os riscos?

É, pelo menos, a prova de que os dermatologistas estão empenhados em mostrar os riscos aos cidadãos. Em 1999, um grupo de dermatologistas belgas instituiu este dia que pretende ser uma campanha de sensibilização contra o melanoma. O dia do euromelanoma foi depois adotado pela Academia Europeia de Dermatologia e Vereneologia e que é assinalado em cerca de 27 países europeus. É um dia para dizer às pessoas que há um cancro maligno, evitável e que nos deve envolver a todos numa luta sem tréguas.

Consultar um dermatologista, já se tornou um hábito para os portugueses?

Já, mas unicamente em situações agudas. Quando os doentes têm alguma coisa que os incomoda procuram um dermatologista. Eu diria que ainda não são procurados como forma de profilaxia, de saber como é que está a pele e o que se deve fazer por ela no sentido do envelhecimento, da hidratação. Trata-se do maior órgão que temos, com cerca de 1,7 m2.

É errado pensar que os indivíduos de pele morena não devem ter tantos cuidados?

Do ponto de vista do fator de risco, do que nós chamamos fotótipo, há pessoas que resistem mais ao sol. Ou seja, quem se defende melhor do sol é quem bronzeia sempre e nunca queima. Mas também há aqueles que queimam sempre e nunca bronzeiam. Os indivíduos de pele branca, de olhos claros, de cabelo louro, os ruivos, que são de facto os indivíduos de fototipo mais baixo. O facto de estarem a trabalhar para o bronze durante horas e horas é uma perda completa de tempo. Não bronzeiam e, pelo contrário, podem apanhar queimaduras solares eventualmente graves a posteriori.

Abusar do protetor solar de fatores elevados não chega?

Não. Usar o protetor solar é, muitas vezes, uma falsa segurança. A pessoa usa o protetor solar não para se proteger, mas para estar mais tempo ao sol. Nós sabemos que existem raios ultravioletas, nomeadamente, os A que são de grande comprimento de onda, que são da mesma forma carcinogénicos e que as pessoas apanham porque estão protegidos da queimadura. Pode dizer-se, de uma forma simplista, que a queimadura solar era a campainha biológica para as pessoas fugirem da praia. Essa campainha biológica pode ser desligada com a utilização de um protetor solar.

Mas deve usar-se protetor?

É obrigatório. Mas o protetor só é útil se a pessoa estiver ao sol o mesmo tempo que estaria se não o usasse. Se é para prolongar o tempo de exposição, deixa de ser útil.

Há outros fatores que contribuem para o aumento de melanomas?

Nós acreditamos que haja outros fatores que não estão completamente individualizados. Acreditamos que haja fatores genéticos, por exemplo. Até porque o melanoma não aparece nas áreas expostas. Sinal de que a própria imunidade pode ser atingida também pelo sol. Mas aquele que é, desde já, para nós mensurável e evitável, é a exposição prolongada e descontrolada ao sol.

Mas o sol é benéfico?

Claro que o sol é benéfico. O sol não é o inimigo público número um. Ele também sintetiza vitamina D e é benéfico, em pequenas quantidades, para os idosos e crianças. Mas as pessoas devem apanhar sol, com os cuidados que já são bem conhecidos.

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