Mário Nunes
Um ano decorreu sobre o falecimento da médica e artista plástica, Dulce Zamith. Uma cerimónia simples, mas plena de saudade e amor, aconteceu na Livraria Minerva, promovida por duas amigas da pintora e pelo marido, Doutor Pio Abreu.
Algumas dezenas de pessoas, de diversos estratos sociais e culturais, com prevalência de médicos, artistas e intelectuais, compareceram no espaço cultural, onde uma exposição de trabalhos da Dulce se derramou pelas paredes da galeria, quadros repletos de criatividade e que respondem às capacidades artísticas da “recordada”.
Alguma emoção, sentida por todos os presentes, registou a saudade e mesmo a dor. É que a Dr.ª Dulce desenhou, pelas suas qualidades, pela manifesta e expressiva alegria e pela força da esperança que marcava a sua existência, um tão exemplar projecto de vida e de comunicabilidade social, científica e cultural, que validou, para sempre, a sua forma de viver. Alardeava, ainda, simpatia, humildade contagiante, sinceridade e saber, testemunhados nas atitudes, nas acções, no profissionalismo, na família e na arte. Aliás, as companheiras com quem dialogámos reconheceram estes atributos que a enobreciam, a beleza interior que a inundava e transmitia aos outros.
O Doutor Pio Abreu, numa manifestação plena de amor e de saudade, mas também de orgulho sentimental pela vida e obra da esposa e artista, editou e ofereceu um livro pujante de beleza poética, carinhosa e pictórica, em que o texto se assemelha a um rio: inunda corações e deixa no seu caminho e para o infinito, transparentes e cativantes fios de água que permanecem na dimensão da imortalidade. Livro, que recolhe valores de extrema afectividade, que se inscrevem nas palavras de Cecília Meireles, ou seja, “possuem uma forte, estranha e gratificante grandeza, usufruindo da fonte e do fermento interior que inundam as “margens” do ser humano”. Ou, ainda, como escreveu Eugénio de Andrade, contém palavras e frases que “pela sua harmonia e comunicabilidade, semeiam uma nota que procura outra para o acorde perfeito”. Palavras e frases que são cristais que brilham no firmamento e iluminam o universo de cada homem. Palavras e frases simples, plurais, mimos, sonhos, belas e prenhes de realidades que acompanham e recordam uma existência vivida na plenitude da família e abrangente na doação aos outros e à arte.
Mas, se a obra possui aquelas virtudes, agrega, também, algumas das composições de Dulce Zamith, criações que mostram o fulgor da sua sensibilidade e do seu conhecimento, onde a cor invade a superfície e explana a atractividade de um caleidoscópio, de um arco-íris em constante movimento e graciosidade, quadros de tonalidade contagiante que evidenciam que a pintura, como afirma Pio Abreu, não existe “sem talento” e que a pintura “é o domínio das cores”. Ou como, escrevemos numa crónica, há anos e sobre a sua obra: “sintonia multicolor que enobrece o sonho e a materialidade quase alquimista que transcende a beleza”.