Porque é que equacionou declinar o convite que lhe foi formulado?
Quando me colocam uma questão ou uma hipótese, eu tenho por costume ponderar um pouco duas hipóteses: ou digo que sim ou não. Tudo porque vemos as dificuldades e as coisas boas que existem por detrás de um convite como este, mas depois, quando nos situamos – e foi o que aconteceu – num plano de fé cristã, como é o caso, nessa altura dissipam-se as dúvidas e as dificuldades e, à luz do evangelho, a resposta não pode ser diferente da aceitação. Até porque houve um compromisso da minha parte na altura da ordenação sacerdotal, de obedecer à Igreja.
Qual foi a principal razão que o levou a aceitar este convite?
O que me levou a aceitar foi a necessidade que a Igreja tem de sacerdotes, bispos e de pessoas que trabalhem ao serviço da Igreja. E se a Igreja me chama e atribui esta responsabilidade, só tenho de confiar plenamente e avançar.
Mas estava, ou não, à espera que lhe fizessem o convite?
Sinceramente não estava à espera. É claro que, às vezes, o meu nome era falado para ocupar esse cargo, mas para mim isso não significava nada. Só no dia em que me encontrei com o Núncio Apostólico é que eu vi que esta era uma questão real e não um boato.
Afinal, estamos a falar de realidades diferentes, em termos de diocese?
São realidades muito diferentes. Eu estava aqui no Santuário de Fátima, como reitor, há cerca de dois anos e meio. Tinha, oficialmente, um mandato de cinco anos, dado pelo bispo de Leiria/Fátima. Não esperava que, a meio do primeiro mandato, saísse logo daqui. Estava a introduzir-me num conjunto de trabalhos e programas à imagem do Santuário de Fátima. Estamos a falar de um local com dimensão nacional e internacional. Não era normal que, ao fim de metade do primeiro mandato, mudasse de preocupação, trabalho e missão.
Das reuniões que já teve com D. Albino Cleto, que radiografia fez ele da diocese que, a partir de domingo, irá dirigir?
O D. Albino Cleto é um homem com muita confiança e com muita tranquilidade. Como tal, fez o seu trabalho com muita alegria. E, portanto, o D. Albino tem-me posto a par da realidade, mas sobretudo tem-me dado ânimo e força para que eu vá confiante e com alegria, porque as pessoas estão desejosas de receber o novo bispo. Tem sido, portanto, uma conversa muito frutuosa e amiga, porque me tem ajudado a dissipar aquelas hesitações que se têm quando se vai iniciar um trabalho com esta amplitude.
Que problemas irá encontrar na sua missão?
Ele não me falou propriamente de problemas. As dioceses de Portugal, hoje, têm uma grande dificuldade: a questão do divórcio entre a fé que se tem e a vivência da fé. Houve um afastamento grande, ao nível da prática da missa dominical ou nalguns sacramentos, como o matrimónio. Isso preocupa a Igreja. Mais do que a questão dos espaços e dos edifícios, preocupa a Igreja o povo de Deus e o modo como está a viver a sua fé. É uma realidade que nós conhecemos de várias dioceses, onde Coimbra se inclui. Quanto à questão das vocações sacerdotais, hoje há uma média etária dos sacerdotes muito elevada – acima dos 60 anos. Isto significa que há um conjunto de sacerdotes mais novos em número pequeno. Tal, leva a que haja um grande desequilíbrio, já que geração de 70 e 80 (meia-idade) está bastante desfalcada. Há, então, dificuldades que são evidentes.
É possível inverter esta situação?
Acho que é possível. Julgo mesmo que estamos numa altura de inversão desta tendência. Muito por culpa da própria Igreja, pois, no passado, havia os chamados seminários menores, que deixaram de funcionar. Hoje, a vocação sacerdotal é uma questão de pessoas adultas, até porque o modo em que se vive a fé é diferente. Não há aquele trajeto tão habitual de viver a fé em família. Hoje, a fé cristã é algo que se assume com responsabilidade, enquanto adulto. A vocação, para se ser padre, passou a ser uma opção já adulta, de maneira que é na pastoral universitária, em grupos de jovens e em pessoas formadas que aparecem os candidatos ao sacerdócio.
O seu antecessor queixou-se de não ter conseguido dinamizar mais a pastoral universitária. Foi por essa razão que, no seu discurso inicial, se dirigiu aos jovens?
A pastoral universitária já existe, mas precisa de mais investimento da diocese, mais pessoas e melhor estruturação. Existem outras entidades que estão a ocupar-se com alguns setores da pastoral universitária. Tenho dito, nestes últimos dias, que a questão dos jovens é fundamental na vida da Igreja. Se a Igreja não conseguir passar a mensagem às novas gerações, o que é cada vez mais difícil, o futuro será tudo menos risonho. Isso também está a acontecer com outras entidades. Concluindo: há necessidade de chegar aos jovens e, principalmente, a todos aqueles que estão a crescer e a amadurecer cultural e sociologicamente. Até para não haver o desequilíbrio e divórcio entre a formação cultural e intelectual das pessoas e a sua formação espiritual e ao nível da própria fé.
Na sua opinião, como é que a Igreja deve fazer chegar a sua mensagem aos jovens?
A linguagem é fundamental. Não só apenas verbal, mas também na forma como vivemos e no interesse que colocamos nas coisas. Não precisamos de mudar a linguagem. Até porque os jovens têm muita capacidade. Depende é da forma como os conseguimos agarrar. Basta ver as Jornadas Mundiais da Juventude. Os jovens têm apetência quase natural para a mensagem do evangelho e para a fé cristã. E é para isso que a Igreja está interessada.
Chegar aos jovens é também falar dos temas que lhes interessam?
Esses temas têm de ser abordados. Nesse aspeto, a linguagem da Igreja vai ao encontro dos interesses já expressos a nível social e, noutros casos, a sua mensagem não coincide com a opinião comum ou quase generalizada. À Igreja ninguém a manda dizer o que as pessoas querem ouvir. Hoje, as pessoas querem saber as razões, compreender as coisas, assumir elas mesmo as suas próprias convicções. É um processo difícil de realizar.
Ou seja, a Igreja não deve ter temas tabu?
Nem com os jovens, nem com os adultos. A Igreja deve falar de tudo, mas tem o seu modo de viver a realidade e de falar sobre todos os assuntos. Devemos falar de todos os temas. Nalgumas questões, a Igreja não se deve meter. Questões partidárias, por exemplo. Sobre aquilo que são os grandes valores e temas, mesmo que sejam fraturantes ao nível da sociedade, devemos ter uma palavra a dizer.
Mesmo que se fale em temas como o preservativo ou o casamento de homossexuais…
Já está tudo mais que dito. Não sei se há em Portugal alguém que não saiba o pensamento da Igreja sobre o preservativo, casamento de homossexuais, aborto ou as injustiças que se cometem nas relações com as pessoas. Não quer dizer que não se possa voltar a falar.
Será que a Igreja não tem tido um discurso oposto ao pensamento de muitos jovens?
A Igreja não tem como objetivo congregar todas as pessoas a todo o custo. Esse não é o seu objetivo. O seu objetivo é levar as pessoas a conhecer o evangelho e Jesus Cristo, o qual tem uma mensagem que é exigente, sendo às vezes difícil de interpretar e conhecer. É criar uma mensagem, é passar convicções, pontos de vista e perspetivas. É um trabalho muito lento e, como tal, às vezes o seu pensamento não coincide com a opinião comum. Algumas pessoas ficam aflitas porque outras abandonam a Igreja. Mas o que é que podemos fazer? Temos de voltar a congregá-las pela via da convicção e da explicação das razões. Cada um tem o direito de criar as suas próprias convicções.
A idade de muitos dos padres não será um entrave à passagem da mensagem aos jovens?
Pode. Todos sabemos que, às vezes, uma pessoa pode cristalizar no seu ponto de vista e modo de ver. Como tal, não evolui. Mas isso, às vezes, acontece na nossa sociedade com pessoas mais novas.
Como é que vai fazer a gestão de uma diocese que, realisticamente, tem falta de párocos?
Felizmente, a própria diocese, pelo facto de ter poucos sacerdotes, tem tido a capacidade de desenvolver outras formas de manter viva a fé cristã. Teve que desenvolver as chamadas Assembleias Dominicais, na ausência de presbítero. São celebrações conduzidas por leigos, ministro extraordinário da comunhão. Isso deu origem a uma multidão de homens e mulheres que, depois de preparados, mantém vivas muitas comunidades cristãs. O facto de não haver padres criou uma multidão de outras pessoas que, de outra forma, nunca teriam assumido de forma tão interessada e alegre esta sua condição de viverem a sua fé e conduzirem outros à vivência da sua fé. Apesar disso, nós iremos trabalhar para arranjar vocações. Estamos a trabalhar nesse sentido. Mas não temos uma varinha de condão para mudar, de um momento para o outro, a situação. Se tal não acontecer, em termos de vocações sacerdotais, há de encontrar-se a forma da comunidade cristã se manter.
Um dos dossiês que terá em mãos é o Instituto Superior de Estudos Teleológicos (ISET). Qual a melhor solução?
Neste momento, está tudo em aberto. Conheço um pouco a estrutura do ISET, até porque fiz parte da direção durante bastantes anos e também lá leciono algumas matérias. Vamos ver. Não levo uma ideia pré-concebida. Essa é uma questão que me preocupa, que preocupa o clero e a diocese, porque seria bom para Coimbra continuar a ter um centro de formação teleológica, pois só existe no Porto e Lisboa.
Mas corre-se o risco do ISET de Coimbra fechar as portas?
Correm-se os riscos todos. Fechar ou até mesmo transformar-se. O grande objetivo seria não ser uma escola só frequentada por candidatos ao sacerdócio, mas também frequentada por leigos e candidatos ao diaconado permanente. Mas há um estatuto de filiação na Faculdade de Teologia na Universidade Católica que permite apenas o acesso aos candidatos ao sacerdócio. Vamos refletir e tentar encontrar uma concertação de esforços para que a região Centro continue a ter uma escola de estudos teológicos. Se tal não acontecer, seria um empobrecimento da região.
O que conhece de Coimbra?
Conheço pouco. Fiz lá no ISET, há 25 anos, os estudos teológicos. Conheço a cidade, a realidade urbana e algumas paróquias, mas depois conheço pouco. Conheço bastantes sacerdotes, principalmente os mais novos. Fui colega de alguns deles em Leiria, no ano propedêutico, outros foram meus alunos no ISET. Mas não é um conhecimento profundo, como as pessoas pensam.
Depreende-se, das suas palavras, que os primeiros meses serão para conhecer melhor a diocese?
Com certeza. Não tanto conhecimento geográfico, mas sobretudo da realidade social, política, da Igreja e, principalmente, das pessoas, que é o principal.
Que Coimbra espera encontrar?
Tenho a certeza que a diocese de Coimbra tem muitas potencialidades. Pelo facto de ser uma grande diocese, com uma tradição muito longa. Estamos a chegar a um tempo em que as potencialidades podem ressurgir. Com muito entusiasmo e trabalho, a diocese de Coimbra tem capacidade de ser uma das grandes dioceses do nosso país. Vou cheio de otimismo e confiança, principalmente por aquilo que conheço. Por exemplo, sei que há comunidades muito vivas e entusiasmadas, com os sacerdotes a funcionarem muito bem.
Espera que a diocese de Coimbra o entusiasme tanto quanto aconteceu com Fátima?
Felizmente, tenho sentido sempre gosto pelo trabalho onde tenho estado: Seminário de Leiria e Santuário de Fátima. Dois locais onde gostei do trabalho que tive em mãos. Coimbra não será diferente, acredito.
Que realidade económica espera encontrar na diocese?
Na zona mais próxima do litoral e nas zonas urbanas, julgo que a qualidade de vida será melhor que no interior, apesar dos problemas de desemprego, pobreza e dificuldades económicas. Na zona do interior, as condições de vida são mais difíceis, mas só em aspetos como a economia. Não é uma região pobre, porque tem meios, indústria e muitos serviços. Não é uma região com muitas dificuldades, à semelhança de outras que existem no nosso país.
Será um bispo interventivo?
Os bispos não têm de falar sobre tudo, nem dar sentença sobre todas as coisas. Haverá situações em que é necessária uma palavra ponderada e pensada, mas não serei uma daquelas pessoas que falará sobre tudo. Faz parte da minha maneira de ser, mas há ocasiões em que temos de falar e devemos falar.
Como, por exemplo?
Em situações graves, dificuldades humanas e, até, políticas. Mas não deve ser a Igreja a criticar e apresentar soluções. Até porque a Igreja tem um âmbito social e o seu papel primordial é de ordem espiritual. Para respeitar as outras entidades e instituições, temos de nos reger por aquilo que é a nossa função e missão.
O que espera da primeira missa na Sé Nova?
Não tenho de esperar nada. Aliás, nas palavras que dirigi em Fátima, espero ser recebido como um irmão e como um amigo.
Mas esperava em Fátima ter um primeiro banho de multidão?
Nada, apesar de ter sido informado por alguns sacerdotes de Coimbra da existência de um vasto conjunto de excursões das paróquias da diocese.