“Este projeto é feito para durar para sempre”

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Foto Carlos Jorge Monteiro

O III Festival das Artes, já a aproximar-se do final, está a registar um sucesso de público, crescente desde a edição inaugural?

Tem sido uma alegria muito grande para todos nós, porque, em todos os ciclos, ultrapassámos todas as previsões, já otimistas, que tínhamos feito. Não apenas estamos a crescer de ano para ano, como estamos a crescer em todos os ciclos, não só na música, no teatro, na gastronomia, nas exposições, é em todas as áreas. O segundo aspeto importante é que estamos a crescer também em experiência, estamos a fazer um trabalho mais bem feito, mais organizado. E sobretudo, mais do que isso, estamos a crescer no entusiasmo do público e no entusiasmo dos intérpretes que vêm a Coimbra.

Alguns que vêm pela primeira vez e que vêm, de uma forma especial, participar neste evento?

Exatamente. Por exemplo, Dieter Koschina [que esteve ontem a encerrar o Ciclo da Gastronomia], se o guia Michelin vale alguma coisa e vale, é o melhor cozinheiro em Portugal. E, que eu saiba, nunca cozinhou fora do restaurante dele, o Vila Joya, a não ser no estrangeiro. E Koschina abriu esta exceção, vindo aqui, também porque reconhece algum mérito que tenhamos em Coimbra, mas sobretudo porque é a primeira vez em Portugal que a gastronomia é tratada como uma das artes, a par de todas as outras.

Mas há outros nomes igualmente importantes?

Por exemplo, Maria Schneider, que fechou domingo a parte musical do festival. Ela é considerada uma das grandes figuras da composição do jazz contemporâneo, maestrina de grande renome, que veio a Portugal a nosso convite, mas que acabou por se apresentar em Coimbra, mas também no Porto e em Lisboa. Mas as palavras que ela disse – perante as 1.300 pessoas que estavam a assistir –, afirmando que nunca na vida dela tinha regido uma orquestra num sítio tão bonito e tão especial como aquele anfiteatro [Colina de Camões] – é uma coisa que a nós nos enche de alegria.

Este é também, ele próprio, um lugar de paixões?

É evidente que sim. O que faz o sucesso deste festival é, em primeiro lugar, claramente, o espaço, que é deslumbrante. Aliás, muitas pessoas que têm estado aqui, que conhecem festivais ao ar livre em toda a Europa, têm dito que nunca estiveram num estiveram num espaço tão bonito, tão adequado. Depois, é claramente a grande qualidade da programação, quer a nível das peças, quer a nível dos intérpretes. Hoje, quando convidamos uma figura como Iréne Theorin, soprano, já lhe podemos mostrar dois anos de trabalho e qualidade. Alguns dos melhores intérpretes mundiais estiveram já aqui e este é um segundo fator importante. O terceiro é a qualidade excecional da preparação do som, que se deve ao Pierre Lavoix, um homem com grande experiência em festivais deste tipo em França. Porquê? Porque os festivais ao ar livre precisam de captação de som. É claro que os puristas gostariam que fosse diferente, mas não pode ser. Em quarto lugar, há a adesão da cidade. Não há nada que determine melhor o sucesso de um festival que o sucesso junto do público.

Esta adesão da cidade determina também a continuidade do projeto?

Este projeto é feito para durar para sempre. Mas não tenhamos ilusões, para durar é preciso um conjunto de condições, é preciso que haja apoios dos mecenas e o sucesso deste festival é conseguir motivar grandes empresas portuguesas a investir culturalmente em Coimbra e não apenas em Lisboa e no Porto.

E o festival tem conseguido furar essa dificuldade?

Temos conseguido. Mas este ano, também não lhe nego, os apoios que obtivemos foram pouco mais de 60 por cento do ano passado. Mas não se notou na programação. Ainda assim, o entusiasmo dos patrocinadores é enorme e vários deles já disseram que querem continuar. Até agora nunca tivemos um tostão do Ministério da Cultura, porque quisemos demonstrar primeiro que tínhamos qualidade, mas esperamos, como é legítimo, contar com esse apoio. A Câmara de Coimbra já disse que voltará a apoiar para o ano. Começam a aparecer entidades da zona de Coimbra a quererem patrocinar.

Reconhecendo a qualidade do projeto?

O reconhecimento da qualidade e uma grande vitória.

Este é um festival que pretende recolocar Coimbra no mapa cultural nacional e internacional?

É verdade. Coimbra tem muito mais qualidade cultural do que se pensa. Mas, em todo o caso, faltava um grande festival de arte de nível internacional. E faltava um festival de arte no verão. Ora bem, Coimbra é em si mesma uma cidade maravilhosa, pouco conhecida apesar de tudo. Ao contrário do que se pensa, o verão em Coimbra não é uma época de grande turismo e devia ser, podia ser. Estes festivais ajudam a isso. Porque, de facto, o sucesso do festival resulta também do fascínio que as pessoas sentem por Coimbra. Repare, um dos aspetos maravilhosos do Anfiteatro Colina de Camões é que à direita, ao fundo, se vê o monte sagrado de Coimbra, com a Torre da Universidade.

E está lá tudo?

Está lá tudo, de facto. Portanto, esse aspeto de trazer ou densificar a oferta cultural em Coimbra e no centro do país é importante. Nós temos aqui [no Hotel Quinta das Lágrimas] pessoas que vieram do estrangeiro para o festival, não serão muitos, mas é já significativo. Ainda há pouco me falaram de um inglês e de um holandês que vieram aqui instalar-se com a família e estiveram a assistir a todo o festival. As rádios espanholas falaram do festival e fizeram um concurso para trazer espanhóis ao festival. Temos tido notícias em muitos meios de comunicação internacionais, que há dois anos não existiam.

A internacionalização vai-se conquistando?

Claro. O objetivo é ambicioso, mas é possível. É fazer do Festival das Artes de Coimbra um festival de referência a nível internacional. Para que se cumpra a profecia do Mário Laginha, que foi quem inaugurou o anfiteatro [Colina de Camões] há três anos e que dizia o seguinte: “vai haver um dia em que, a nível internacional, se dirá entre os artistas – eu já atuei na Quinta das Lágrimas”. Ora bem, é esse o nosso objetivo. E também é nosso objetivo, obviamente, fazer um festival de referência a nível nacional.

Esse é igualmente um objetivo em concretização?

Sem dúvida. Mas não se esqueça que temos festivais que têm 30, 40, 50 anos. Nós temos três anos. E manter 30 ou 40 anos de sucesso é difícil. Este é um esforço que tem de ser continuado. E acreditamos que isso é viável. Portanto, nós temos de ter uma grande ambição, senão não é possível ir tão longe. Agora, temos também de ter modéstia. Porque este, o mercado dos festivais, é um mercado muito competitivo. E deparamo-nos com um problema, em Portugal não há tradição de festivais ao ar livre.

Nem multidisciplinares, o que este é na sua génese?

Exatamente. Esse é o segundo problema que nós temos. Em França, no sul de França, há, no verão, milhares de concertos ao ar livre, centenas de festivais ao ar livre. Também no Reino Unido, na Alemanha, nos países nórdicos, em climas muito mais difíceis. Em alguns sítios, as pessoas vão para os festivais de galochas e chapéu-de-chuva.

Mas vão?

Vão. Mas em Portugal não há essa tradição. Os puristas melómanos não o consideram assim. Houve um crítico que disse “mas que pena este festival não ser feito dentro de uma sala”. Eu diria, que sorte não o ser. Porque a Maria Schneider não diria o que disse se o festival fosse numa sala. Aliás, em Coimbra não há nenhuma sala que possa levar 1.600 pessoas, como aconteceu com a Orquestra Gulbenkian. E o que acontece é que um festival ao ar livre é uma coisa diferente de um festival dentro de uma sala. E os dois têm o seu papel. Os maiores artistas mundiais, no verão, fazem festivais ao ar livre. Há festivais ao livre no mundo que chegam a ter 10 mil, 15 mil espetadores. Os festivais dentro de uma sala são feitos com todas as condições acústicas. Ao ar livre, apesar das condições deste espaço serem magníficas, nunca será a mesma coisa. Um fundamentalista da música que diga “não se pode ampliar o som”, nunca vai gostar do Festival das Artes. Mas, felizmente, os amantes da música gostam. Aqui e em todo o mundo.

E a multidisciplinaridade?

É uma característica que, por enquanto, nos prejudica. Porque os jornais estão organizados por áreas artísticas, não têm nenhum jornalista que trate todas em conjunto. É evidente que o Citemor ou o Festival de Almada têm muito mais de mediático do que nós. Mas o que nós temos de especial, numa coisa única em Portugal, é um festival temático. O que é um desafio muito grande.

Que torna mais difícil a programação?

Muito mais difícil. Vamos imaginar que optávamos pelo criador musical que faz 100 anos ou 200 anos. Todas as entidades musicais no mundo estão a fazer esse músico. Era mais fácil programar, mas também não tinha tanta graça. A qualidade da nossa programação é um desafio, mas também é uma grande alegria.

Neste festival há também uma ligação forte à cidade e às suas entidades culturais?

E vai aumentar. Essa é uma aposta que começamos devagar, também porque ao princípio as entidades culturais da cidade olhavam para nós com algum ceticismo. Gradualmente, isso foi-se alterando. E hoje temos o apoio e trabalhamos com entidades sem as quais este festival também não podia ser feito: o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, o Museu do Chiado, o Teatro da Cerca de São Bernardo, a Casa da Escrita. O ano passado, tivemos o CAV. A nossa aposta é crescente. E também é a de puxar pelos hotéis na cidade, o que já está a acontecer.

A viagem, tema do próximo ano, é amplo e permite projetos novos?

A viagem – tema muito motivado pelos 440 anos dos “Lusíadas” – vai permitir-nos um desafio que queremos lançar a todos, mesmo todos os restaurantes de Coimbra: durante a quinzena do evento fazer um grande festival de cozinha exótica. Os portugueses foram pelo mundo fora e levaram e trouxeram muito. Queremos ser capazes de fazer em Coimbra um grande festival gastronómico de cozinha indiana, brasileira, japonesa, angolana, moçambicana, de Cabo-Verde, da Guiné. E, desta forma, criar o hábito e mantê-lo. Mas também conseguir que outras entidades programem para essa quinzena iniciativas sob o mesmo tema ou a propósito dele. O objetivo é fazer deste um grande festival que motive outros festivais em Coimbra.

Falou de ambição. Coimbra precisa de pensar e agir com ambição?

Mas Coimbra tem ambição. E este festival é a prova disso mesmo. Este é um festival da cidade. As pessoas que montaram este festival, vivem apaixonadamente a cidade. A minha mulher [Coimbra Castel-Branco] foi a autora do espaço e sem ela não havia festival. Eu. A secretária-geral da fundação [Inês de Castro], a engenheira Teresa Costa Neves, a alma dos bastidores deste festival. A Margarida Mendes Silva, uma figura de referência da cultura de Coimbra. E já vamos em quatro. E depois há mais quatro apaixonados por Coimbra, que conheciam mal. E se não fosse o apoio da Câmara de Coimbra, das instituições locais, do Conservatório de Música, o ano passado da Orquestra Clássica do Centro e de outras entidades, este Festival não teria o sucesso que tem.

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