O português

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Elsa Ligeiro

O Português não joga (nunca jogou) futebol em Espanha.

O Português nasceu no séc. XVI, num dia e ano sem registo.

Mas é porque a história assinala a sua morte no dia 10 de Junho que hoje celebramos o Dia de Portugal.

Não descobriu o caminho marítimo para a Índia, nem o Brasil. E que se saiba nenhum acto heróico de espada ou de pólvora faz parte do seu currículo.

Apenas um naufrágio que serve para realçar o mito e a importância que dava ao que fixava no papel.

Um rei (D. Sebastião) editou-lhe a obra que ele escreveu com engenho, reorganizando a memória de um povo que, finalmente, tem um registo épico da sua identidade.

O rei (é História) perdeu-se no deserto de Alcácer-Quibir, mas continua a ser desejado.

Hoje, ao Português, poucos lhe reconhecem a importância, ou não fosse ele poeta. Ele que transformou a língua galaico-portuguesa, numa sinfonia totalmente lusa.

É certo que a Escola ainda utiliza a sua obra para dividir orações e encontrar o sujeito, mas tudo numa autópsia que esconde a vida do corpo.

Fernando Pessoa já em pleno séc. XX nomeou-o seu rival, e num inspirado livro (O Ensaio de Música, Rolim, 1994), Maria Gabriela Llansol, coloca Pessoa (Aossê) como um português errante numa viagem no tempo à procura de um músico (Bach) que compunha música para o seu poema. “Pessoalmente, (diz Pessoa a Bach) creio que o poema seria bastante mas as gentes a quem o darei são quase analfabetas. É essa a razão por que há outros em mim que pensam que é preciso um cântico, uma voz que as faça sonhar um destino verdadeiro, uma música que as comova para o cumprir”.

Mas nem Fernando Pessoa consegue superar o Português (o mestiço Padre António Vieira nunca necessitou desse combate, porque sempre foi um seu herdeiro natural).

E para espanto de todos é uma mulher (Sophia de Mello Breyner) que recoloca o Português no centro do mundo lusíada, num texto de 1980, onde resgata e impõe a sua figura tutelar.

E, como é exigido a uma heroína, fá-lo em Coimbra, num fórum onde se reúnem todos os especialistas camonianos.

Escreve ela sobre o Português: “Camões assume Portugal no plano da História. Não apenas porque escreve Os Lusíadas, mas porque vive tão exemplarmente a sua condição de português, e nele Portugal se vive. Como Portugal, ele é simultaneamente realização e frustração, encontro e desencontro, ensombramento e descobrimento.

Como Portugal, ele volta de África estropiado, vencedor e vencido, e da Índia regressa deslumbrado e naufragado. Como Portugal, ele conhece a livre respiração dos mares e a asfixia entre provincianas intrigas. Como Portugal, de todas as riquezas volta pobre”.

Já no ano de 1972, ainda em ditadura marcelista, Sophia escreveu em memória do Português o poema: Camões e a Tença (Dual, Moraes Editores)

Só quem não quis ler é que não percebeu: “País que tu chamaste e não responde/ País que tu nomeias e não nasce”.

Em 2011, apenas uma certeza: enquanto se continuar a festejar o Dia de Camões, Portugal será um país com futuro.



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