2.566 mulheres fizeram um aborto em 2010 na região Centro

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DRO preconceito esconde-lhes o rosto. Revelam-se em palavras, tantas vezes dolorosas e solitárias, camufladas num fórum na internet. O que têm em comum estas mulheres? Todas elas fizeram uma interrupção voluntária da gravidez (IVG).

“Fi-lo a frio, numa casa com o rádio aos gritos no centro de Lisboa”. Luar tinha 22 anos e carregava nos braços uma filha de oito meses. “Tinha acabado de me separar de um marido alcoólico e violento, estava grávida novamente”. Procurou a clandestinidade, imposta pela lei. Foi em Agosto de 1982.

Em 2010, três anos depois da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, o total de abortos, independentemente dos motivos, foi de 19.436. Desses, 97 por cento (18.911) foram realizados a pedido da mulher.

Na região Centro, 2.566 fizeram um aborto no ano passado. Destes, 2.455 foram por opção da mulher. Ainda assim, foram menos do que em 2009 (2.873 IVG).

Desde a liberalização do aborto até às dez semanas, em Julho de 2007, os hospitais realizaram quase 65 mil interrupções da gravidez. No entanto, em 2010, verificou-se uma redução face a 2009. Os dados constam do relatório anual da Direcção-Geral da Saúde (DGS), segundo o qual, no ano passado, realizaram-se quase 20 mil abortos legais – ainda assim, menos 412 do que em 2009.

“Quem são as pessoas

para julgarem?”

“ É duro pôr termo à vida de algo que cresce dentro de nós, que começa a crescer um amor estranho vindo não se sabe de onde e nem se sabe pelo quê, já que nada é visível ainda e nos põe a sorrir sem queremos como as pessoas que estão apaixonadas”. Maria (nome fictício) tem 23 anos. Estudante de Design, não é – afirma – “de classes sociais baixas, nem pouco informada”.

“Engravidei por pura irresponsabilidade”, escreve, tão agressiva no discurso como com o passado que a obrigou a “crescer da pior forma”.

Maria foi uma das 18.911 mulheres que, em 2010, decidiram interromper uma gravidez.

No fórum, onde, como tantas outras, exorciza fantasmas, lamenta os “comentários de pessoas” que chamam “vadias e fazem todos os géneros de ofensas” a mulheres que tiveram que passar por esse processo.

“Não sou má pessoa por ter feito um aborto. Apenas sou uma mulher que escolheu ter primeiro uma vida e depois dar a vida a outro ser. Quem são as pessoas para julgarem quem quer que seja?”, questiona.

No relatório, a DGS lembra que o crescimento sustentável de uma sociedade não se alcança através do aumento da gravidez não desejada. “Pelo contrário, este aumento está associado a problemas de integração social, potenciando e perpetuando um ciclo de pobreza para a mulher e para os seus filhos, aumentando consequentemente, o número de interrupções da gravidez”.

Não se pense, no entanto, que a gravidez não desejada só acontece a quem tem poucos recursos económicos.

Graça (vamos chamar-lhe assim) tem 36 anos e é advogada. “Faz hoje 13 dias que fiz a IVG e ainda choro todos os dias”. Uma relação casual, de uma noite. Prazer pelo prazer, “pensando sempre que isto só acontece aos outros”.

Graça vive sozinha numa casa que paga ao banco. Trabalha a recibos verdes e, embora seja advogada, tem, atualmente, dois ordenados em atraso.

O pai do bebé? “Fez-me chantagem psicológica a tal ponto que entrei em colapso. Fiquei isolada num processo cruel. Ouvi coisas horríveis, tudo porque não queria abortar”.

Graça foi deixando o tempo passar. A decisão estava tomada, mas era contrária ao que sentia. “Fiz a IVG no último dia do prazo, porque até estar na marquesa ainda pensei em desistir”. Não desistiu e agora, as palavras que escreve são, como tantas outras, dolorosas. “Não se pense que ainda não choro. Espero que a vida me perdoe”.

A história de Graça cruza-se com a de tantas outras: mais ou menos novas; mais ou menos informadas. “Sou enfermeira e procuro o meu primeiro emprego. O meu filho teria nascido este mês, e não há um único dia em que não pense em tudo isto”.

Todas estas mulheres, como se escreveu, revelam-se num fórum da internet. Ausentes de rosto – e tantas vezes de amor –, comungam uma certeza: “Se o tivesse tido não sei como estaríamos. Mas, sem dúvida nenhuma que ia amá-lo incondicionalmente”.

(Artigo completo disponível na edição impressa)

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