Nos últimos quatro anos, os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), sob a direção de Fernando Regateiro, passaram a Entidade Pública Empresarial (EPE) e integraram, no início deste mês, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), estrutura que aglutinou ainda o Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) e o Centro Hospitalar e Psiquiátrico (CHPC). O médico afirma que a saúde “é um recurso estratégico essencial” para a sustentabilidade da região de Coimbra e defende a reorganização da oferta em saúde, preconizada nos objetivos que levaram à criação do novo centro hospitalar.
Tem-se defendido uma estratégia de desenvolvimento para Coimbra tendo por base a ideia de “cidade da saúde”. Concorda?
O termo “cidade da saúde” traduz uma atividade que se desenvolve com muita intensidade e qualidade em Coimbra, e, portanto, a saúde é uma marca da cidade. Não vejo nenhum óbice a que Coimbra seja designada “cidade da saúde”, mas sobretudo gosto de dizer que a cidade tem uma capitalidade para a saúde. Porque a capitalidade traduz a atração, a capacidade que a cidade tem de oferecer, nesta área, serviços que fazem a diferença. É ineludível que a saúde representa um recurso estratégico essencial para a cidade e para a sua sustentabilidade futura.
E o recurso estratégico saúde tem sido devidamente aproveitado?
Tem sido aproveitado, mas tem que ser mais valorizado, mais pensado, no sentido de se criarem condições para a sua sustentabilidade e aprofundamento. E a sustentabilidade de uma oferta baseia-se num passado mas tem que ter, em cada momento, suplementos energéticos, de mudança, de evolução, que acrescentem algo. No caso concreto dos HUC, se cada geração, cada administração, não tivesse acrescentado algo com a sua ação, fomentando a mudança e a inovação, melhorando a oferta e a qualidade, sustentando a confiança dos cidadãos, hoje estaríamos ao nível de 1950. Felizmente os responsáveis pela saúde no hospital e em Coimbra têm sabido incorporar o que de melhor vai acontecendo em termos técnicos, científicos e de concentração de recursos humanos. E daí essa capitalidade para a saúde ter sido mantida e aprofundada e hoje é reconhecida a nível regional, nacional e internacional. Só desafio o leitor a imaginar Coimbra sem a oferta do setor da saúde.
Aquando da passagem dos HUC a EPE foram públicas algumas críticas dos que temiam a degradação da qualidade assistencial?
Quando, há quatro anos, vim para presidente do conselho de administração dos HUC, acusavam-me de querer transformar o hospital em EPE para fazer dele um hospital distrital, pensando só na dimensão económica. Sempre neguei isso e está provado que essa não era a missão, e não é. O momento presente da saúde em Coimbra e nos HUC demonstra exatamente o contrário: demos o nosso contributo para a mudança e a oferta dos HUC está renovada em muitas das suas dimensões. Fizemos um forte investimento a nível dos equipamentos, recursos técnicos e meios complementares de diagnóstico, de uma forma muito óbvia. Dou dois exemplos – os casos da Hemodinâmica e da Nefrologia –, mas podia dar 22. Apostamos também na renovação dos quadros de pessoal. Largas dezenas de médicos e outros profissionais que estavam com contratos precários foram contratados sem termo, para rejuvenescer equipas, de várias especialidades. Algumas equipas estavam em risco de rutura e agora estão bem. Temos neste momento cerca de mil contratos que tiraram pessoas de situações precárias, o que mostra o nosso sentido de responsabilidade social.
As medidas de contenção entretanto impostas pela tutela não dificultaram a gestão?
No último ano tivemos uma produção praticamente idêntica à do ano anterior. Os custos com os medicamentos aumentaram e nos HUC o aumento desta despesa foi de 2,6, quando o teto limite era 2,8. Nunca negámos nenhum medicamento a qualquer doente, seja barato ou caro, e o mesmo se passa em relação aos mais diversos consumíveis de natureza clínica, pois o que é prescrito é para ser administrado. Em relação a pessoal tivemos um crescimento negativo de -1,6. Em relação à despesa global do hospital crescemos negativamente -0,2 por cento. E com todo este rigor de gestão, quem nos procura nem sente que estamos a fazer este esforço, porque o doente é o centro das preocupações. Se pudermos ter ganhos de eficiência, ter diminuição de despesa numa área, o doente pode estar seguro que esse ganho é investido para oferecer mais e melhor, para comprar um equipamento ou contratar mais alguns profissionais.
Defende que a criação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra tem vantagens.
Neste momento os recursos alocados à saúde atingiram um patamar elevado, ultrapassam os 10% do PIB. Sob o ponto de vista económico-financeiro, Portugal tem que reorientar algum do seu esforço financeiro atendendo ao momento presente. Coimbra tem esta capitalidade, que não resulta só da oferta dos HUC, mas também de outras instituições hospitalares que têm uma oferta idêntica em muitas áreas de especialidade e que fazem bem o seu trabalho. Sendo certo que os recursos são finitos, há necessidade de olhar para a oferta da saúde em Coimbra e de uma forma inteligente, desapaixonada e projetada para o futuro, percebermos como nos devemos organizar, para que esta capitalidade seja intocada. E esse olhar existiu da parte dos HUC quando foi elaborado o seu regulamento interno. Nesse documento, aprovado em abril de 2009, exactamente há dois, dizíamos, no artigo 4º: “constitui-se como visão dos HUC aprofundar a sua natureza de grande hospital geral, central, e aglutinador de um centro hospitalar universitário”. Quando hoje defendo a constituição do centro hospitalar estou a dar continuidade a uma visão que já tínhamos.
Quais são os ganhos decorrentes da constituição do centro hospitalar?
Com o centro hospitalar, e de uma forma sintética, haverá ganhos significativos de qualidade, a nível da assistência, a nível técnico e do conhecimento. Não é a mesma coisa termos duas equipas, uma com cinco profissionais, outra com seis, ou termos uma equipa com 11, para servir a mesma finalidade. Uma equipa com 11 tem outro potencial, mais massa crítica, que é um fator extremamente importante para o progresso do conhecimento, para melhorar a qualidade e a acessibilidade dos doentes. Dá ainda a possibilidade de interagir com outros hospitais da região, para permitir que os doentes sejam atendidos em proximidade, em áreas de especialidade onde essa oferta não exista. A junção de equipas que, por vezes, devido à elevada diferenciação, até são curtas, e que dispersas em dois ou três sítios ainda mais curtas se tornam – e perdem capacidade de resposta, em caso de doença ou férias de um profissional –, assegura melhor a resposta. São ganhos assistenciais e de conhecimento que resultam da concentração da oferta, evitando redundâncias.
Como se eliminam essas redundâncias?
É necessária uma maior rentabilização dos recursos, a todos os títulos, também económico. Quando falamos em capitalidade, temos que manter a qualidade da oferta, a capacidade de resposta, e só o fazemos se soubermos concentrar a resposta onde ela necessite de ser concentrada. Porque há especialidades onde a procura é grande e não se podem concentrar as equipas, e por isso devem manter-se no centro hospitalar as ofertas multifocais que forem necessárias.
O centro hospitalar pode combater as redundâncias?
Isso tem que ser feito mediante um trabalho setorial que identifique as necessidades, caracterizando, em cada área, a procura, a oferta e as disponibilidades, para se perceber como é que se deve organizar. As redundâncias levam a excesso de custos e à diminuição da qualidade da saúde que se presta. Falei na qualidade assistencial, eficácia, eficiência, eliminação de redundâncias, ganhos de sustentabilidade na prestação de cuidados e promoção da excelência assistencial. São objetivos gerais que se atingem com o centro hospitalar e que não se atingem sem o centro hospitalar.
Essa estratégia justifica-se devido ao atual tempo de crise?
Num tempo como o de hoje, em que é necessário reorientar o esforço de investimento em Portugal, e é necessário manter a qualidade da saúde, é preciso que os recursos financeiros que se investem na saúde sejam bem orientados. E nós, em Coimbra, ou sentimos a dimensão estratégica da saúde para a sustentabilidade e bem-estar económico da cidade e da região, ou não o sentimos. Estou convencido que a generalidade dos cidadãos da região de Coimbra sente a saúde como um recurso estratégico. Os HUC são o maior empregador da região e no centro hospitalar estamos a falar de cerca de 7.800 trabalhadores, incluindo cerca de 1.500 médicos e 2.700 enfermeiros, sem contar os fornecedores de serviços.
Uma das críticas à criação do centro hospitalar é a sua grande dimensão, questionando-se se será uma estrutura governável?
Com certeza que é. Quem afirma o contrário não conhece a forma como se gere os HUC. O hospital tem, neste momento, um pouco mais de 1.400 camas e 5.400 trabalhadores, um orçamento anual de cerca de 300 milhões de euros e uma estrutura organizativa desconcentrada, concretizada com a criação de Áreas de Gestão Integrada, que agregam serviços, por afinidade ou identidade. Temos um contrato-programa com a tutela, que é gerado pelos aportes que vêm das áreas de gestão intermédia, que por sua vez geram essa proposta a partir das necessidades dos serviços que as integram. Esse contrato-programa é depois redistribuído internamente, dividido com as áreas de gestão, que por sua vez negoceiam com os serviços, tendo por base objetivos de tratamentos, consultas, meios complementares de diagnósticos, recursos humanos, etc. A partir daí a gestão flui normalmente, o serviço e o seu diretor é o pilar essencial de estruturação da oferta assistencial. Nesta forma de gerir desconcentrada não é problemático gerir o centro hospitalar.
A fusão dos três hospitais no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra concretizou-se no início deste mês. Dada a conjuntura e as próximas eleições autárquicas, existem riscos de este projeto não avançar?
O decreto-lei 30/2011, que entrou em vigor a 1 de abril, determina claramente que são extintas as instituições hospitalares existentes e é criado o centro hospitalar. Sob o ponto de vista formal e jurídico o centro hospitalar está criado. Por razões conjunturais, não foi criado o seu conselho de administração, pois o Governo entendeu que estando em gestão não devia nomear novos conselhos de administração. E isso não é exclusivo do CHUC, passou-se o mesmo em relação a todos os centros hospitalares que foram criados na mesma data e a dezenas de empresas, de outras áreas que não a saúde. Mas apesar de as atuais administrações estarem em gestão, não é por isso que a assistência está a ser minimamente beliscada, porque tudo está a ser assegurado como antes. Em seu tempo o Governo atual, ou o que resultar das eleições de 5 de junho, decidirá quem vai gerir a instituição.
Estando próximas as eleições legislativas antecipadas, a recente criação do centro hospitalar é irreversível?
Isso é uma pergunta à qual ninguém pode responder, porque as estruturas evoluem ao longo do tempo. Quem vier assumir a governação decidirá. A minha opinião é que tem vantagens, pelas razões que já apontei e que me levam a dizer que esta é uma solução que se coaduna com as exigências do momento e que traz os ganhos que se pretendem, em termos de contenção da despesa e de assegurar a qualidade da saúde prestada. Coisa que não acontecerá se não se mantiver a concentração e se cada instituição ficar a trabalhar para seu lado. Devido à finitude dos meios e ao aumento dos custos, não podendo haver aumento de financiamento existirão reflexos negativos na assistência, sem nenhuma vantagem, a não ser conceder a uma organização que teve o seu tempo, mas que já não é deste tempo. A manutenção de ofertas redundantes, no sentido de que não são necessárias, é má gestão de recursos públicos, que não pode ser tolerada. Se a qualidade da saúde se mantém, não vejo porque se deve voltar atrás na criação do centro hospitalar, mas isso são responsabilidades políticas sobre as quais não me compete neste momento pronunciar, como dirigente dos HUC.
Quase todos concordam como a necessidade de rentabilizar recursos, mas defende-se que há outras estratégias, além da fusão.
Quais? Quem diz que não, que alternativas fornece? Na gestão dos HUC aprecio muito os contributos críticos, mas sistematicamente peço que os acompanhem de sugestões. Se houver uma melhor solução com certeza que o poder político irá considerá-la, se for lógica, racional e vantajosa. A organização de uma oferta na saúde, o modelo de gestão que se usa, são instrumentos para servir a população em termos de assistência. O país não pode ser adiado, o momento requer decisões. A decisão está tomada, se houver aportes para uma melhor decisão venha ela, mas com as vantagens que esta solução tem.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é sustentável?
O SNS é um dos fatores mais relevantes para a coesão social da sociedade portuguesa. E claro que é sustentável. Se soubermos dar os passos corretos para o sustentar, não persistirmos em modelos de ofertas redundantes. Temos que corrigir as ineficiências, e discutir, e se necessário retificar, as formas de financiamento, sem beliscar a oferta. Mas o SNS, na sua essência, tem que ser mantido, porque seria uma perda enorme para o cidadão não poder confiar no seu serviço de saúde. E o Estado tem que retribuir ao cidadão pelo contributo que este dá para manter o Estado, através dos impostos. O SNS deve ser defendido e os diversos detentores do poder sempre o respeitaram, até hoje.
Em quatro anos, os HUC passaram a EPE e agora integraram o centro hospitalar…
Os HUC chegaram a este ponto aos ombros de gigantes. Milhares de pessoas fizeram este hospital e, a cada momento, quem dirige deu o melhor de si, os profissionais deram o melhor de si, mas não podemos ficar parados no tempo. A cada momento é preciso cada equipa de gestão dar o seu contributo para levar mudanças.
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