A Guidinha avisou

Spread the love

Francisco Queirós

Combustíveis atingem preços máximos nunca antes vistos”. “O preço do pão aumenta”. “Preços dos produtos alimentares sofrem aumento histórico”. “Subsídio de Natal poderá ser pago em títulos de tesouro”.

”Salários da Função Pública baixam”. “Quase meio milhão de portugueses perde direito a abono de família”. “Subsídio de desemprego e outras prestações sociais baixam”. “ Estudantes do ensino superior, sem bolsas, têm de abandonar os estudos ”. “Banca e grandes empresas têm aumento de lucros”. “A pobreza está a aumentar”. “Há cada vez mais fome em Portugal”. “Pobreza envergonhada cresce por todo o país”. “Novos pobres trabalham, mas o ordenado não chega para a alimentação, a renda de casa e outras despesas essenciais”. “Em Portugal crescem as desigualdades. Os ricos são dos mais ricos da Europa e os pobres dos mais pobres”. “ Portugal é campeão europeu em doenças mentais”. “José Sócrates chamado à senhora Merkel”… Folheio jornais para reciclar e releio títulos que dão conta do estado da Nação. Na rádio, comentadores discutem a vitória dos “Homens da Luta” no Festival da Canção.

Da surdina das casas, do sussurro dos transportes públicos, das conversas de café engrossa-se o protesto. No dia 12, uns estiveram nas ruas pela educação. Outros, de gerações mais jovens, contra um governo e um sistema que os marginaliza. Todos cada vez mais à rasca. No próximo sábado, muitos milhares de portugueses avançarão sobre Lisboa em protesto, numa luta que se agiganta. As vozes sobem de tom, em coro, lamentam, protestam, exigem. As ruas de Portugal são, neste Março a aguardar a Primavera, um prenúncio do que está para vir, não sabendo o quê ou quando. Quando o grito cresce, vibra no ar a indignação e não há quem o não sinta. A indiferença tem limite. A resignação cansa e uma gota só pode transbordar os rios comprimidos entre as margens.

Em 1978, a jovem Guidinha de Sttau Monteiro lançou um aviso em Carta Aberta aos Senhores da Política que bem pode ser, mais de trinta anos depois, reproduzida e remetida aos senhores do governo de Sócrates: “oiçam o que se diz na rua oiçam o que se diz na rua oiçam o que se diz na rua oiçam o que se diz na rua oiçam o que se diz na rua oiçam o que se diz na rua senão qualquer dia estão no olho da rua a ouvir o que se disse na rua”. E na rua agora diz-se muita coisa que não ouvem. Na rua faz-se muita coisa que não vêem nem entendem. Na rua há um país inteiro desesperado, ainda quase calado, ainda quase sossegado. Ainda… A Guidinha aconselharia: “oiçam o que se diz na rua senão qualquer dia estão no olho da rua a ouvir o que se disse na rua”. Isso e muito mais. Não digam então que a Guidinha não avisou.

2 Comments

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.