Nos carris do Transiberiano

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Retomo o relato resumido de uma viagem que, de Dezembro a Janeiro, me levou de Moscovo a Vladivostok, na mítica rota do Transiberiano. Assim, munido de boa leitura (Dostoiévski, claro), lá começou uma aventura que haveria de levar-nos da estação de Yaroslav (marco do quilómetro 0) em Moscovo, até à de Vladivostok, onde, com sete horas de diferença para a Capital, “amanhecemos” com a visão do marco do quilómetro 9288 e com uma emblemática locomotiva a vapor, exibida na gare.

Antes do embarque, uma nota de cunho histórico: ali mesmo, à entrada da estação, está o nosso camarada Vladimir Ilyitch Ulianov (vulgo, Lenine), representado numa das múltiplas estátuas espalhadas por toda a Rússia. “Matámos saudades” em Nizhny Novgorod (estátua aponta para o Hotel Central), Ekaterinburgo (na praça central, rodeado de esculturas de gelo e quiosques que o deveriam ter horrorizado, outrora), Irkutsk (escondido, não muito longe da estação ferroviária, mas de inusitada cor dourada, que parece pouco adequada aos ditames ideológicos do senhor) e em Vladivostok (mais uma vez, em frente à gare).

Destaques especiais, desde logo para o próprio (se forem infundados os rumores de que a sua múmia foi substituída por um manequim) em exposição, ainda e sempre (?) na Praça Vermelha e para a macrocefalia do camarada em Ulan Ude, onde, na praça principal (onde mais?!…), se encontra aquela que se diz ser a maior cabeça de Lenine do Mundo (não custa acreditar…). Por fim, um sublinhado para a ausência da sua representação em Kazan (a mesma que nem em Kaliningrado verificáramos, em Março), onde, paradoxalmente, fica a universidade que, ainda hoje, é conhecida pelo seu nome. Numa pura conjectura, creio poder explicar-se a falta de comparência pelo tradicional sentimento arreigado de autonomia da Republica do Tataristão, onde os tátares (e não “tártaros”) sempre gostaram de uma boa refrega com os eslavos. No meio de tudo isto, o que quero sublinhar é que, além das estátuas, muitas das principais avenidas (Ekaterinburgo) e ruas (exemplo, Ulan Ude) ou Praças (veja-se Nizhny Novgorod) têm ainda o nome maior do executante mor do marxismo por aqueles lados. Aliás, Irkutsk, além da rua e da estátua com o nome de Lenine, tem mesmo uma rua Karl Marx. Conclusão deste vosso criado: enquanto nós ainda vivemos mergulhados em complexos de esquerda herdados do 25 de Abril e que tanto nos tornam retrógrados e politicamente enfezados, os russos aprenderam, com mérito evidente de Putin, a lidar com o passado, tentando casar a idiossincrasia de ontem com o pragmatismo de hoje e com o potencial de amanhã. Eis como se forja uma potência: mobilizando a sociedade…

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