“Espaço de saber e iniciativa”. As grandes linhas de ação que João Gabriel Silva propõe para balizarem a década da Universidade de Coimbra passam muito pela “afirmação” que entende ser necessária no espaço europeu do ensino superior. O diretor da FCTUC, engenheiro de formação, apresenta-se na corrida a reitor na defesa de uma universidade “atenta ao mundo e aos desafios”.
A década que se iniciou é particularmente difícil, mas também decisiva para o país e para a universidade. Que projeto tem para a Universidade de Coimbra?
A esperança que há para Portugal, apesar da crise e para lá da crise, é a do conhecimento e da inovação. Ninguém conseguirá identificar qualquer outra via para o país sair das dificuldades em que se encontra. E o conhecimento avançado, não estando só nas universidades, está basicamente nas universidades. Portanto, as universidades estão a ser postas perante um desafio intenso. Vão ser capazes de responder a esse desafio, que é também uma oportunidade, se conseguirem encontrar-se nesse objetivo. Desafio a que eu espero e acredito que a Universidade de Coimbra seja capaz de responder. Não é fácil. Mas, se calhar, de entre as universidades portuguesas, a Universidade de Coimbra é aquela que está melhor posicionada. Porque o que estamos a pedir, nós, o país, às universidades, é que elas sejam capazes de transformar o conhecimento avançado em riqueza, o que implica bem-estar social, estabilidade política, cultural. A universidade com mais capacidade para o fazer, se calhar para surpresa de muita gente em Portugal, é a Universidade de Coimbra.
O que, aliás, ficou provado recentemente com a atribuição de uma importante distinção internacional ao Instituto Pedro Nunes?
Exato. E esse é um exemplo muito importante. Mas há um problema. Essa atividade que, na Universidade de Coimbra, é já muito visível, não tem ainda escala suficiente. Em Coimbra já é visível, perfeitamente visível, o impacto do tecido económico criado pelo conhecimento desenvolvido na universidade. Mas ainda não tem escala suficiente. O desafio é dar-lhe essa escala. Se as universidades portuguesas – e não estou apenas a falar de Coimbra – conseguirem responder a esse desafio, eu não tenho dúvida de que os recursos de que precisam e que, neste momento, estão em grande escassez, serão fornecidos pela sociedade. O desafio da década, no meu entendimento, é este.
Pedir às universidades que respondam ao país com o que melhor fazem?
Que as universidades produzam desenvolvimento para o país, desenvolvimento de que o país está desesperadamente necessitado.
O financiamento das universidades é um dado fundamental nesta equação?
O conhecimento avançado tem custos. Para lhe dar uma ideia, o orçamento anual da Universidade de Oxford, universidade de referência, é praticamente igual ao financiamento anual de todas as universidades portuguesas. E isto diz muito da distância que existe. Portanto, nós temos de fazer algo que não é fácil: conseguir ter produção de conhecimento de relevância internacional – e o grande problema de Portugal é um problema de défice externo, nem é tanto de défice público –, transformando-o em atividade económica que seja competitiva em termos mundiais. Por isso, nós estamos a competir com a Universidade de Oxford e com todas as outras, mas com aquela diferença orçamental.
Não é fácil essa competição?
Não é nada fácil. Mas temos de a fazer, porque não temos alternativa. Não vamos, seguramente, ter sucesso em muitas outras coisas. Mas precisamos de conseguir algumas áreas em que possamos fazer a diferença. Há alguns sinais positivos e nós temos de ver os sinais positivos, aproveitá-los e reforçá-los.
Em que áreas da ciência é fundamental apostar ou continuar a apostar?
Eu não acho que seja só a ciência. Em Coimbra, por razões diversas, são as áreas da ciência e tecnologia que têm estado na dianteira. Mas não têm de ser só. Por exemplo, em termo da cultura, o que nós vemos é que as indústrias criativas têm, nos países mais desenvolvidos, um peso enorme no produto interno bruto. Portanto, aquela ideia de que a riqueza só é gerada pelas áreas mais científicas está errada. É claro que, em Coimbra, como genericamente em Portugal, estamos nesta área mais atrasados. Mas esta é uma área com tanto potencial como todas as outras. Depois, há também as indústrias da saúde, que nem é preciso descrever com grande detalhe para perceber o potencial enorme. Em Coimbra, particularmente, há um grande potencial porque existe uma ligação muito intensa da universidade – que eu espero conseguir intensificar, agora que os hospitais vão entrar num processo de fusão – às unidades hospitalares. E nós sabemos que a medicina, cada vez mais, é baseada em instrumentos com um grau de sofisticação extraordinário. Nós estamos a chegar à época da medicina personalizada, no sentido em que os medicamentos vão aplicar-se cada vez mais a um determinado perfil genético, o que levará a uma verdadeira explosão nesta área.
Também nesta área, Coimbra, a universidade e algum tecido instalado, tem capacidade para se afirmar?
Temos os ingredientes no terreno para conseguir fazer coisas muito interessantes. Por exemplo, o curso de Química Medicinal que lançamos, em colaboração entre as faculdades de Ciências e Tecnologia, Medicina e Farmácia, tem esse objetivo. Nesta matéria trabalham fundamentalmente estas faculdades e há empresas que estão a trabalhar connosco. Por exemplo, a patente mais promissora que temos agora é nesta área, da mistura da tecnologia, da ciência com a saúde.
Que patente?
A da terapia fotodinâmica, que já está a chegar à fase de ensaios clínicos e que tem o potencial de revolucionar a nível mundial, por exemplo, o tratamento do cancro da pele. Poderá transformar esse tratamento numa coisa quase trivial. É óbvio que temos consciência que ainda há trabalho a fazer, mas a maior parte já foi feito. Este é um bom exemplo do diálogo possível, em que nós, com os recursos que temos, atingimos o topo mundial em termos de conhecimento e estamos a transformar isso em atividade económica. E este, em particular, com um potencial enorme, verdadeiramente esmagador. Na junção destas áreas todas, temos de ser capazes de dar o salto necessário, com a investigação por base.
E os alunos nesta universidade?
Os alunos são o fundamental, são a razão primeira das universidades. E Coimbra tem, relativamente às outras universidades portuguesas, uma desvantagem que pode transformar em vantagem: a maior parte dos estudantes escolhe a universidade por razões geográficas. Coimbra está na zona do país com menos gente. Enquanto que a Universidade do Porto, por exemplo, só tem de abrir as portas…
Coimbra tem de saber chamar alunos?
Nós temos de saber trazer os alunos. E para os trazer, temos de saber convencê-los. E como? Temos de demonstrar que Coimbra é melhor. Que há mais qualidade, porque estamos na única cidade portuguesa verdadeiramente universitária. E nós sabemos que, mesmo em termos estritamente profissionais, cada vez mais são necessárias um conjunto de capacidades e competências que não se adquirem só nas cadeiras dos cursos. Coimbra oferece isso melhor do que qualquer outra universidade. Mas, para além disso, todos os membros da comunidade universitária, todos nós precisamos de mostrar que somos os melhores para que tenhamos futuro. Esse sentimento da necessidade, tenho esperança que nos dará a energia de que precisamos para, de facto, sermos melhores.
É preciso demonstrar que Coimbra é o melhor sítio para estudar
E Coimbra tem sabido mostrar essa mais-valia?
Temos vindo a melhorar. Mas é ainda muito insuficiente. E isso é claro nos números que dizem que há uma grande percentagem de alunos que entram porque não encontraram lugar noutra universidade. Portanto, é preciso demonstrar que vale a pena vir para Coimbra. É preciso ser o melhor sítio para estudar e demonstrar que o somos.
O que tem a dizer dos alunos que desistem, cada vez mais, por dificuldades económicas?
Os números que nós temos ainda não nos permitem tirar essa conclusão. Todos os anos nós temos largas centenas de alunos a desistir, por variadas razões. Todos os anos, só na Faculdade de Ciências e Tecnologia, cerca de 400 alunos não se inscrevem no ano letivo seguinte. Alguns também porque chegaram à conclusão que esta não é a vocação deles. Curiosamente, uma parte substancial, mais de metade, regressa mais tarde, nem sempre para o mesmo curso. Não acho que, para já, os números muito diferentes dos outros anos. Isto não quer dizer que a questão das bolsas de estudo não seja uma questão muito importante e muito preocupante. Eu manifestar-me-ei sempre contra qualquer tentativa de baixar o apoio social, que, em épocas de crise e nesta muito em particular, devia ser reforçado. Para além do mais, o acesso ao ensino superior tem um valor social decisivo. Porque permitir que cheguem ao ensino superior todas as pessoas que tenham capacidade e não apenas as que têm condições económicas para isso é dos símbolos mais perfeitos da equidade e da igualdade social. É dos princípios constitucionais mais profundos. Se, em épocas de crise, se diminuir o apoio social, estamos a permitir a redução da permeabilidade entre classes sociais e estamos a fomentar um desequilíbrio social grave. Não podemos cortar o acesso ao conhecimento avançado aos mais capazes só por não terem capacidade económica. Este seria o pior caminho para o país. Nós não podemos permitir que se enterrem milhares de milhões em bancos esquisitos e que se cortem uns tostões para que haja a possibilidade de os mais capazes terem acesso ao ensino superior.
É preciso encontrar novas formas de financiamento para lá do apoio estatal?
Eu não acho que o apoio estatal seja muito grande, pelas razões que já apontei. Mas isso não quer dizer que a universidade portuguesa não deva explorar mais outras fontes de financiamento. Aliás, eu tenho passado os últimos anos a trabalhar nessa área e com alguns resultados, porque há um enorme potencial a explorar. Sobretudo com o reconhecimento da Universidade de Coimbra como um local onde se pode ir buscar a resolução de problemas complexos. Somos muito pouco chamados pelo Governo, pelas grandes empresas, para o estudo de questões de índole nacional. E nós temos capacidade para o fazer. Só temos de o demonstrar, Porque Coimbra perdeu há muito a proximidade com o poder.
Qual será a sua primeira prioridade?
Eu vou ter várias prioridades, não há nenhuma que se sobreponha claramente às outras. Mas vou ter como prioridades mais imediatas, encaminhar as coisas para conseguirmos chegar ao fim do ano. Porque as restrições financeiras que estão a ser impostas são verdadeiramente asfixiantes. O que irá obrigar a uma gestão de um rigor e de uma exigência inaudita.
Estamos a falar da gestão corrente?
Estamos a falar de um orçamento completamente desequilibrado, nesta universidade como nas outras. Como todos sabemos, o país está sujeito a uma pressão dos mercados financeiros brutal e ninguém que esteja minimamente atento ao que o rodeia tem qualquer ilusão de que vai haver reforço financeiro no final do ano. Não vai haver reforço no final do ano e temos de conseguir viver com o orçamento que temos. Depois, temos um processo de transformação interno enorme. Nós não conseguimos ter um acréscimo de capacidade no exterior se não tivermos a máquina interna a funcionar muito bem. A Universidade de Coimbra tem de se transformar numa casa muito ágil a responder, virando-se para o exterior o mais possível, aumentando a sua atratividade e captando recursos. Só assim é possível transformar esta casa numa casa aberta e atrativa no grande espaço europeu do conhecimento e da inovação.