Uma jovem de 26 anos, obrigada pela legislação a fazer exame médico, chamou-me a atenção pela jovialidade, simpatia e por usar no pulso esquerdo dois relógios. – Este pessoal passa-se da cabeça. Dois relógios! Após este breve pensamento passei ao interrogatório e exame físico.
Ao proceder à medição da pressão arterial aproveitei o ato para analisar os dois relógios. Não eram dois relógios, mas sim um e uma pulseira cor-de-rosa com dois hologramas. – Que raio de pulseira!
No final, perguntei-lhe se me podia dizer o que era aquilo, porque nunca tinha visto nada de semelhante. Olhou-me com uma expressiva exclamação facial e, ao mesmo tempo que me dava a oportunidade de a ver mais de perto, disse: – Não sabe o que é? – Não! – É a pulseira do equilíbrio! – Como? – Pulseira do equilíbrio. – E serve para quê? – Para mantermos o equilíbrio, o bem-estar, para termos mais energia; não vê estes hologramas? Um é o polo positivo e o outro é o negativo. Olhei para a pulseira, reles, de plástico, com dois hologramas a dizer qualquer coisa em inglês, apalpei-a e não achei nada de especial, a não ser o seu uso por uma jovem que tinha um nível cultural, aparentemente, elevado, e uma experiência de vida rica para a idade. – E funciona? Perguntei-lhe. Riu-se, embaraçada, e rematou: – Não tem evitado alguns tropeções!
– Sabe? A sua pulseira fez-me recordar uma velha tia e uma história que lhe vou contar quando era pequeno. Aconteceu há meio século. A minha tia Custódia, solteira, que conheci sempre velha, de voz tonitruante e com duas manápulas capazes de dobrar o cachaço a um boi, tinha o hábito de contar histórias, inicialmente agradáveis, acabando sempre por as terminar de forma a chatear-me, – um estupor. Um dia comprou uma pulseira magnética na feira. Não lhe ficou barata. Ouvi-a dizer à minha avó. Mas como lhe disseram que era o melhor que havia para o reumático, não hesitou. A pulseira comportava vários elos, quadrados, feitos de latão, e dentro de cada um devia haver qualquer coisa, porque se ouvia quando a chocalhava. Feia, fascinou-me de imediato por causa da atração entre os elos. Abria a pulseira e depois, lentamente, aproximava-os até sentir uma força de atração e zás! Colapsava-se.
– Mas como é possível uma coisa destas? Parecia um milagre. Intrigado com o interior dos elos, aproveitei uma distração da minha tia. A pulseira estava sobre a cómoda do quarto. Entrei, peguei no “antirreumático” magnético, e com a ajuda de uma chave de fendas consegui retirar do interior pequenos cubos negros com os quais comecei a fazer comboios e vê-los a chocar sozinhos entre eles. Uma delícia.
O pior foi a seguir. Ao ver o estado em que se encontrava o remédio para as suas dores, não lhe foi difícil saber quem teria sido o autor. Sem dizer uma palavra, e com o resto da pulseira na mão esquerda, pregou-me um estalo de tal ordem que caí desequilibrado no chão. Vi estrelas, como se tivesse sido atropelado pelas enormes máquinas a vapor que puxavam o comboio-correio. Umas bestas. A minha tia também não lhes ficava atrás.
Sorriu. Antes de se levantar informou-me do preço, como adquiri-la e as cores disponíveis. Ao sair, disse-lhe em jeito de desabafo: – Se a minha tia Custódia na altura usasse uma coisa destas, não teria levado na cara e nem perdido o equilíbrio…
Cinquenta anos depois, tudo na mesma, ou pior! Bom, pior não digo. Pelo menos desta vez não estraguei a frágil pulseira…