P – Vamos ter eleições em breve para a Federação Portuguesa de Futebol. Já pensou em candidatar-se?
R – A última eleição tinha como finalidade prolongar o mandato anterior por mais um ano. Gilberto Madaíl queria que lhe fosse permitido ainda seguir até ao último Mundial. Muitos diziam que, depois de eleita, esta direção deveria levar o mandato até ao fim, ou seja, por quatro anos. Não era o meu entendimento, na medida que tinha sido expresso o pedido para que o mandato fosse apenas até ao Mundial… Já no último ato eleitoral me reservei, retirando-me do apoio à candidatura de Gilberto Madaíl e fiz contactos no sentido de perceber se teria apoios para uma alternativa. Havia condições para avançar, mas tinha de fazer o somatório de votos. Feito esse somatório, havia uma situação a considerar: o sócio que tem mais votos, que é a Liga, teria de votar nessa alternativa. Mas encontrei alguma dificuldade porque o então presidente, hoje já demitido e substituído, inicialmente mostrou alguma recetividade, mas depois começou a dizer que os clubes, maioritariamente, queriam que se votasse no Gilberto Madaíl e depois desconsiderou essa possibilidade
P – E ficou por aí…
R – Se assim não tem sido, eu teria apresentado uma lista e teria condições para ganhar a eleição, pois conseguia juntar 178 votos. Com a Liga teria 278, ou seja, ultrapassando os 250 votos teria ganho
P – Hoje as circunstâncias são outras…
R – São. As condições que tivemos há três anos não são as mesmas que temos hoje. Com as críticas e envolvência que se gerou em torno da federação, possivelmente surgirão vários nomes para se perfilarem como candidatos. Alguns deles até fora da área meramente desportiva. Vamos ver alguns políticos a quererem candidatar-se. Já ouvi nomes como, por exemplo, do Miranda Calha ou o Fernando Seara. Não tenho dúvidas que vão aparecer mais nomes.
P – Acha que, ainda assim, tem condições para apresentar uma lista vencedora?
R – Neste momento é tudo muito difícil. Não sabemos quantas listas vão aparecer. Penso é que não vai ser possível reunir um consenso muito alargado. Julgo que, se as várias associações de futebol se reunirem e chegarem a consenso, podem haver condições. Mas eu também sei que dentro das próprias associações há no ar vários possíveis candidatos. Penso que tudo depende do diálogo entre essas várias candidaturas. Se assim for, pode haver uma forte candidatura por parte do movimento associativo
P – Um consenso, aliás, necessário para outras situações, não é verdade?
R – Sim, é necessário criar o consenso necessário para aprovar os estatutos da federação. Este problema até já levou o secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, o retirar o estatuto de utilidade pública à federação. Do meu ponto de vista, no entanto, esta retirada do estatuto é ilegal e impede a federação de cumprir os seus estatutos. A partir deste momento, não é possível sancionar campeonatos nem colocar a seleção a jogar. Mas houve a solução habilidosa de colocar no despacho da retirada de utilidade pública a suspensão de apenas algumas das competências da federação. Fundamentalmente aquelas que tinham a ver com o futebol amador e com as atribuições de verbas para esses clubes e para as associações de futebol.
P – Que comentário lhe merece a atuação do secretário de Estado do Desporto nestas matérias?
R – Tenho um certo respeito para com o secretário de Estado. Na altura em que ele era deputado, criticou a lei de bases do desporto que o anterior secretário de Estado [Hermínio Loureiro] tinha feito aprovar. Quando este secretário de Estado entrou, tentou, como tinha prometido, alterar a lei de bases e tentou expurgar algumas coisas que estavam mal. Penso que alterou para pior. E também em relação ao regime jurídico, mudou para pior.
P – Por que diz isso?
R – Ao privilegiar, de uma forma tão clara, apenas o futebol profissional, retirou a tudo o que é futebol amador algumas possibilidades de igualdade dentro da federação. Por outro lado, o facto de colocar no regime jurídico o próprio esquema dos estatutos da federação, teve uma ingerência muito grave no movimento associativo. Penso que, quer a lei de bases quer o regime jurídico, deveriam ter sido considerados inconstitucionais. No entanto, nenhum partido quis, na Assembleia da República, pedir essa inconstitucionalidade. Bastava que o PSD, que também contestava de algum modo a lei, quando recebeu o movimento das associações e lhes deu razão, tivesse pedido a inconstitucionalidade e, neste momento, até já poderíamos ter resolvido os problemas todos, mudado a lei e alterado os estatutos.
P – Como se vai resolver essa situação?
R – Agora, as associações de futebol têm feito contactos com outras associações, como por exemplo a Associação Nacional de Treinadores de Futebol, o Sindicato Nacional de Jogadores Profissionais e a Liga Portuguesa de Futebol. Se estas reuniões forem bem conseguidas, penso que podemos aprovar os estatutos sem mudar a lei…
P – Como encara a disponibilidade de o Vítor Baía para concorrer à federação? Acredita na tese conspirativa dos que ligam o aparecimento deste nome à eleição de Fernando Gomes para a Liga, como uma tentativa de controlo das operações a Norte?
Por tudo quanto disse no dia em que se disponibilizou para a federação em relação ao FC Porto, é uma carta fora do baralho, pois não acredito no apoio do FC Porto via Liga, nem da Associação de Futebol do Porto. Não acredito pois na tese conspirativa do Norte.
P – E o Paulo Bento, até onde pode levar esta seleção?
Até ao apuramento para a fase final do Euro’2012. Sem dúvida que tem condições para obter bons resultados, pois todos lhe reconhecemos força e determinação, e acima de tudo, perspicácia e capacidade para escolher jogadores e colocá-los no lugar mais adequado. O seu grande obstáculo vai ser o de fazer as melhores escolhas, dado o pouco tempo de observação, para o jogo mais difícil da nossa série com a Dinamarca, mas acredito nele, sem qualquer dúvida!
P – Como está o panorama do futebol em Coimbra?
R – Eu diria que, enquanto tem havido muito dinheiro para as participações nos campeonatos da Europa e do Mundo, que depois se põem em causa com as não participações nas fases finais, no futebol distrital tem havido uma grande fragilidade económica que impede os clubes de viverem nas melhores condições.
P – Tem havido um desinvestimento?
R – Nos últimos 20 anos, houve um forte retrocesso ao nível económico no apoio ao futebol amador. Tudo começou quando, há anos, se alterou a lei das apostas mútuas desportivas, que permitia que seis por cento das apostas do totoloto e totobola revertessem para os clubes. Entretanto, passou a federação a ter direito a 12 por cento das apostas do totobola. Naquela altura, o totobola dava muito dinheiro. Mas este jogo caiu a pique nestas duas últimas décadas e, resultado disso, a federação vive uma situação muito fragilizada.
P – Viveu isso na pele…
R – Na altura, ainda antes de ser presidente do Lousanense, acompanhava-o de muito perto e posso dizer que uma equipa na 3.ª Divisão recebia mais de 700 contos por mês. O dinheiro do totobola, mais a receita da bilheteira e um ou outro apoio local, permitia a essas equipas lutar pela subida de divisão sem problemas.
P – Agora, a situação é diferente…
R – Quando se passou a receber os 12 por cento do totobola, as receitas começaram a cair a pique e hoje esse apoio não dá sequer para pagar os equipamentos. Também as associações recebiam uma percentagem, que daria para ajudar os clubes e até podia haver alguma condescendência com os clubes, até com atribuição de algum material. Hoje, infelizmente esses apoios são muito poucos. Rondam os 3.000 euros por ano, o que é muito pouco. Se pensarmos que as associações tiveram de crescer muito por causa do aumento do futebol de formação, com campeonatos que já têm grande dimensão, podemos dizer que, para pagarmos as arbitragens desses jogos e não levar verbas pelas organizações desses jogos, é muito caro suportar esses encargos e só retiramos contrapartidas do que nos são pagas pelas equipas seniores.
P – Qual seria a solução?
R – A formação está a tornar-se demasiado pesada para as verbas que as associações têm. Penso que os lucros das apostas desportivas e os conseguidos pela federação têm de ser redistribuídos, de forma a incentivar, cada vez mais, a formação de equipas jovens. Ou então corremos o risco de perder cada vez mais equipas jovens.
P – O que seria, no fundo, um contrassenso, depois do investimento que foi feito, por exemplo, em infraestruturas… como os programas para os relvados sintéticos…
R – Hoje, vemos que os sintéticos que vão aparecendo são mais-valias. Mas penso que o Estado ainda tem de financiar mais o desporto amador. Tem de financiar mais o futebol, porque aquilo que está a ser dado, comparativamente com outras modalidades e no que diz respeito ao número de equipas, é irrisório. Gostaríamos que o apoio dado aos outros, por equipa, fosse, pelo menos, o mesmo para o futebol.
P – Este ano houve mesmo alguns clubes em Coimbra que sofreram na pele a falta de apoios…
R – Sim, desapareceram equipas de marca… de grandes pergaminhos. Foram os casos do Mirandense e do Lousanense. Sei que estamos perante casos de dívidas anteriores, que fizeram com que as direções abdicassem do futebol sénior, mas isto é bem exemplificativo das dificuldades dos clubes. Se estas, que estão nas sedes de concelho, têm estas dificuldades, então imagine-se as equipas de terras mais pequenas. Até na 1.ª Divisão distrital houve equipas a desistirem no próprio dia do sorteio… Nalguns casos, equipas que até têm subido à Honra. Vimos, por exemplo, desaparecer o Cova Gala e o Praia da Leirosa. Há 10 anos tinha 50 equipas na distrital e agora só tenho 32…
P – Tudo por falta de verbas?
R – Há clubes que passam grandes dificuldades, por exemplo, para pagar as taxas de jogo, que são, no fundo, receitas da bilheteira. Esses pagamentos vão-se atrasando, muitas vezes passam cheques pré-datados para serem pagos ao longo da época e, depois, vamos verificar que também não são pagos. Ora, depois, a associação de futebol tem muitas vezes dificuldades para, por exemplo, pagar aos árbitros. Há uns anos tive mesmo de fazer uma letra de 50 mil euros para pagar aos árbitros, porque estávamos a chegar ao fim da época e eu ainda não tinha pago os meses de janeiro e fevereiro. Ou seja, para além dos clubes, esta falta de verbas chega a pôr em causa o funcionamento das associações de futebol.
P – Falando de arbitragem, foi presidente do conselho de arbitragem da Associação de Futebol Coimbra…
R – Fui e, depois, transitoriamente, também fui candidato ao conselho de arbitragem da FPF que, felizmente não se veio a realizar, porque só obtive 64 por cento dos votos, quanto na altura eram obrigatórios 65… Isto levou a que se alterasse, em assembleia-geral, os estatutos para que, também para o conselho de arbitragem, fossem necessários apenas os 50 por cento.
P – Acha que a passagem de toda a arbitragem para a alçada da federação será benéfica?
Sempre achei que a arbitragem, tal como a disciplina, nunca deveriam ter saído da FPF para a Liga. Hoje, continuo a pensar da mesma forma, mas não se pense que o seu regresso virá agora alterar alguma coisa. Apenas o funcionamento da arbitragem do futebol profissional poderá melhorar em alguns capítulos como a formação, acompanhamento técnico, observação e classificação dos árbitros. Penso ainda que poderá deixar de haver desencontros na classificação final e nas subidas e descidas de categoria dos árbitros, mas não virá certamente resolver todas as polémicas semanais com as arbitragens!
P – Em sua opinião, quais são os maiores problemas na arbitragem?
R – Hoje, há uma grande dificuldade também em formar árbitros. Faltam verbas para pagar melhor aos árbitros e considero que não temos grandes condições para aumentar os prémios de jogo dos árbitros. Acho também que aquilo que pagamos é muito pouco para motivar os jovens a serem árbitros e irem para os campos ouvir chamar nomes à sua pessoa e à sua família. É preciso uma grande dedicação e força de vontade para ser árbitro nestes dias. No entanto, há ainda outro problema. Com a obrigatoriedade de apresentar os pagamentos aos árbitros às finanças, mais árbitros desistiram. Muitas vezes, os árbitros são jovens estudantes e, se fizerem descontos, depois perdem as vantagens do primeiro emprego… Neste momento, estamos a ver se resolvemos esta situação, para que, a não ser que recebam uma verba superior ao ordenado mínimo, não se passe essa situação.
P – E em Coimbra há muitos estudantes…
R – Sim, são mais de 30 mil no ensino superior e penso que aí podíamos conseguir encontrar futuros árbitros. Penso que a arbitragem precisa de se emancipar, com árbitros mais qualificados ao nível académico…
P – … e profissionais também?
R – Árbitros profissionais também, logicamente. Hoje, a profissionalização dos árbitros para as divisões também profissionais é irreversível. Mesmo não tendo ainda esse estatuto, os árbitros já são bem remunerados. Portanto, a primeira premissa já está conseguida. É preciso agora fazer com que eles se possam dedicar apenas a esta atividade.
P – Falamos de profissionalização, mas apenas no que diz respeito aos árbitros para as competições da Liga. E nos escalões amadores, como está a arbitragem?
R – Em determinados pontos do país, e a alguma distância de Lisboa, é muito difícil encontrar boas arbitragens. Mas isto também não é de agora. Também já fui presidente de um clube e sei muito bem que podia ganhar e disputar todos os jogos, mas apenas até um determinado nível. A partir daí, não apenas com os adversários diretos que aspiravam à subida, mas também com outros clubes, era muitas vezes prejudicado, porque as outras equipas interessadas não queriam que somássemos pontos, porque poderíamos pôr em causa a sua posição na tabela.
P – Para além dos cargos ligados ao desporto, já foi presidente da Câmara da Lousã, governador civil de Coimbra e é hoje deputado na Assembleia da República. Qual dos cargos lhe deu mais gozo?
R – Aquele que mais me encheu as medidas e motivou foi o de autarca, porque vemos os efeitos das nossas decisões no nível de vida das pessoas e no desenvolvimento do concelho. Apesar de, na altura, não haver, tantos fundos comunitários. Mas cumpri também com muito prazer o cargo de governador civil, já que pude resolver muitos problemas sociais e ligados, por exemplo, à indústria. Hoje, estou na Assembleia da República e devo dizer que ser deputado é um dos cargos mais marcantes. Se é verdade que o poder executivo pode ser mais aliciante que o legislativo, devo dizer que este é um poder muito nobre. Nos primeiros quatro anos e meio, o parlamento viveu numa maioria absoluta, o que significou uma determinada forma de estar e também uma vida diferente da de hoje. Atualmente, com o perigo de qualquer proposta do Governo ser rejeitada, o entendimento entre os partidos da oposição faz com que haja uma volatilidade muito grande e algumas situações possam ruir.
P – Falta estabilidade ao Governo?
R – Julgo que, desde que se constituiu, não havendo uma maioria partidária, devia ter havido uma grande coligação. Porque assim não haveria interesses partidários à frente dos interesses do país. Há pessoas que não entendem assim, mas espero que, quando assim entenderem, não seja tarde demais e não andemos todos a rezar para não cair numa situação irremediável.
P – À semelhança do futebol, também na política andámos demasiado tempo em “piloto automático”?
Os “pilotos automáticos” são muito bonitos, mas requerem que se reúnam condições ideais para que sejam ligados. Neste momento, o país não tem condições para ir em “piloto automático”. Temos de atender a muitos pormenores. Estamos numa situação económica muito fragilizada e espero que se reúna entendimento. Espero esse entendimento no parlamento, mas também da sociedade. É preciso falar verdade aos portugueses. Essa verdade é essencial, sem beneficiar nenhum partido… mas procurando que os partidos se organizem para que entendam que há políticas nacionais que têm de ser subscritas por todos. Não é possível fazê-las apenas vingar no interesse de uma oposição que, muitas vezes, está mais empenhada em derrotar do que em construir. Não é possível estarmos a derrotar, na assembleia, um Governo, porque a falta de condições para governar pode vir novamente a acontecer e ninguém pode desejar esta situação. Ou todos remamos no mesmo sentido, ou estamos a dar tiros nos pés.
P – Acha que o seu camarada Sócrates se pode mesmo demitir se o Orçamento de Estado não for aprovado?
Penso que o camarada Sócrates, primeiro ministro deste país, não se demitirá pois o orçamento passará com a abstenção do PSD, inevitavelmente. O que tem de ser tem muita força! A crispação, radicalização a que temos assistido com o PSD a dizer não subscrever o aumento de impostos é bem a demonstração de que o PSD sabe que a solução para o país passa inevitavelmente pelo aumento de impostos…
P – Como encara a situação de estar no lado oposto ao seu filho na disputa interna para a distrital do PS?
O facto de estar no lado oposto do presidente da concelhia da Lousã significa apenas que a vida nos obrigará sempre a tomar opções e mesmo entre familiares pode haver democraticamente diferenças e pontos de vista divergentes. Esta é a grande virtualidade da democracia e não o seguidismo obscuro. Conheço bem o que está em causa na eleição para a distrital do PS, e por isso, escolho o melhor, o mais consistente, o mais determinado, o mais trabalhador e o mais capacitado para dirigir. Já não me guia a paixão, apenas a convicção e a certeza. Eu vivo, logo opto!