As outras vítimas do duplo homicídio em Montemor

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Dia 29 de Novembro de 2009. Data trágica para Montemor-o-Velho. Naquela manhã de domingo, a filha do casal separado fazia seis anos. A menina não imaginava que o seu aniversário seria manchado com o sangue da mãe, Manuela Rama, de 35 anos, que viu ser assassinada pelo pai, Mário Pessoa, 41 anos, numa ambulância dos bombeiros locais, em frente ao posto de GNR.

A criança também foi atingida pelos disparos da caçadeira do pai. Ficou com ferimentos ligeiros e com um trauma que dificilmente vai conseguir curar. Quando se encontrava na cela, Mário sacou de uma pistola e matou um militar da guarda e feriu outro. O julgamento do duplo homicida de Carapinheira deverá começar até ao final do ano ou no início de 2011.

O DIÁRIO AS BEIRAS foi falar com os familiares da vítima e do agressor, constatando que o sofrimento é um lugar inóspito. “Só nós sabemos o que sofremos… Nesta casa, havia alegria; agora, só há tristeza e sofrimento”, afiança Alexandrina Lopes, 62 anos, mãe de Mário Pessoa, homónimo do pai.

“Aquilo que o meu filho fez foi um acto de loucura. Ele andava com uma depressão, e não era nada pequena!”, tenta atenuar a progenitora, com palavras regadas com lágrimas. Abre o álbum de fotografias e arranca memórias da infância do único descendente barão, que agora visita na cadeia. O homem dela, 65 anos, sobe ao sótão para mostrar o espólio do filho, ex-fuzileiro e dono de um bar em Carapinheira – discos, acessórios de equitação, quadros pintados por ele.

Terror na estrada

Naquele domingo sangrento, Manuela ganhou enfim coragem e foi apresentar queixa na GNR, momentos depois de ter sido agredida. Mais uma vez diante dos filhos. Quando era conduzida para o Gabinete Médico-Legal da Figueira da Foz, numa ambulância do Bombeiros Voluntários de Montemor, Mário terá abordado a viatura com gestos ameaçadores.

O motorista fez inversão de marcha e procurou segurança no posto da GNR, longe de pensar que o homem em fúria não se deixaria intimidar pela autoridade. E foi ali mesmo que matou a mulher, à queima-roupa, e ainda um militar do posto. Os “ciúmes doentios” de Mário, segundo os familiares de Manuela, acabaram por sepultar mais duas vítimas nos férteis campos da violência doméstica em Portugal.

Sangue indelével

“Nós, familiares das vítimas de crimes violentos, também somos vítimas”, defende José Luís Rama, aludindo ao “sofrimento contínuo” e sem fim. “Adormecemos a sonhar com vingança”, desabafa, acrescentando: “infelizmente, não tenho o poder divino de perdoar, e por isso vou ter uma sensação de angústia, de amargura e de impotência para o resto da vida”.

Com a data do início do julgamento a aproximar-se, a dor acentua-se. Na missiva electrónica enviada para esta reportagem, José Luís frisa ainda: “o regresso ao local onde tudo aconteceu é doloroso e penoso. Mesmo depois de todo o sangue ter sido lavado, para nós, ele continua lá bem presente”. A irmã, Teresa, partilha as palavras de José Luís.

Irmãos separados

Mário e Manuela estavam separados, mas ao fim-de-semana partilhavam as refeições com os filhos, proporcionando-lhes o ambiente familiar (im)possível. A mulher, que vivia na casa dos falecidos pais com os dois menores, em Carapinheira, onde estavam naquele dia, fazia a limpeza no bar do homem e verdugo.

Na sequência do duplo assassinato, o tribunal retirou os direitos paternais ao homicida e os filhos foram entregues aos tios maternos – um vive no Alentejo e o outro em Soure. As crianças estão a ter acompanhamento psicológico, encontram-se periodicamente e também convivem com os avós paternos.

Trauma e revolta

A psicóloga Ana Oliveira sustenta que “este tipo de tragédia acerta em cheio na estrutura familiar”. Por outro lado, assistir a um acontecimento de extrema violência, continua, “provoca um turbilhão de sentimentos negativos e traumáticos”. E com o aproximar do julgamento, destaca a psicóloga, “as vítimas reavivam momentos de grande sofrimento”.

Momentos que, sublinha, “podem provocar sentimentos de angústia, revolta e extrema ansiedade perante o reencontro com o acusado”. A psicóloga conclui que o impacto do crime nas vítimas colaterais faz, decerto, alterar as suas crenças e a representação que têm de si e do mundo.

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