Fusão das maternidades no Pediátrico faz sentido

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Agostinho Almeida Santos, ex-presidente do Conselho de Administração dos Hospitais da Universidade de Coimbra, teme a falência do SNS, defende a fusão de serviços hospitalares e aconselha a cidade a apostar no cluster da Saúde.

P – O constante aumento dos custos da saúde em Portugal tornam preocupante o futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS)?

R – Insustentável, para me servir de uma expressão muito banalizada neste momento. Pelos números que conheço, por vezes escassos e pouco consistentes, são gastos mais de 25 milhões de euros por dia na saúde e, por isso, podemos estar à beira de uma falência do sistema nacional de saúde. No futuro, que não será longo, só terá direito à saúde quem for rico e só será tratado a tempo quem tiver amigos.

P – E os custos do Orçamento do Estado para a saúde continuam a aumentar…

R – Quando a tendência lógica seria reduzir os custos, verificamos que eles disparam. Nos primeiros três meses deste ano a despesa na saúde foi superior a 2,5 mil milhões de euros, mais 39 milhões do que em 2009.

P – Os novos modelos de gestão dos hospitais atingiram os objectivos que pretendiam?

R – Se estamos a dizer que os custos aumentaram, não sei em que é que podem ter sido úteis, a não ser na contratação de pessoas do círculo de amigos. Mas não sei se isso é bom. Os hospitais EPE tinham um prejuízo superior a 218 milhões de euros até Setembro de 2009, e a indústria farmacêutica reclama dívidas de 788 milhões ao Estado, até Abril de 2010.

P – Da sua experiência como director dos HUC, acha que as medidas de contenção da despesa anunciadas pelo Ministério da Saúde poderão ajudar a resolver os problemas da sustentabilidade do SNS?

R – Vi as 10 medidas que a ministra da Saúde anunciou e confesso que não as percebi muito bem. Há dias li num jornal que era preciso poupar na limpeza, na electricidade e na alimentação – não são expressões da ministra –, mas não é por aí. Onde se tem de poupar é na forma como se gere o sistema. É preciso ter equipa e isso faz-se mobilizando as pessoas. Costuma dizer-se que deve centrar-se a atenção no doente, mas também é preciso centrar a atenção nos funcionários, motivá-los, porque senão a atenção não estará centrada no doente.

P – O que é essencial?

R – As poupanças fazem-se mobilizando as equipas, que são os verdadeiros decisores, os que estão no centro da despesa, e com uma gestão apertada, com avaliações periódicas, mensais. Mas é preciso que os contratos-programa com o Governo sejam cumpridos e eu tive a pouca sorte de aquele que assinei em 2006 não ter sido cumprido pelo Governo: não recebi 36 milhões de euros do valor de convergência, e isso é incompatível com uma boa gestão. A política do medicamento é fundamental, mas também estar atento aos despesismos, porque sabemos que na saúde o desperdício anda à volta dos 25%. E evitar uma política sumptuária, gastadora. Por exemplo, é importante que se faça rapidamente uma reflexão sobre as interligações dos hospitais de Coimbra com o novo Pediátrico, que não se sabe bem quando vai abrir.

P – Como preconiza essa interligação entre hospitais?

R – Não se sabe quando vai abrir o novo Pediátrico, mas sabemos uma coisa: vai haver, mais uma vez, uma duplicação de serviços. No novo Pediátrico vão com certeza existir unidades de cuidados intensivos de recém-nascidos, que em Coimbra já há nas maternidades Daniel de Matos e Bissaya Barreto. Vai haver duplicação de cozinhas, de sistemas diferenciados de vigilância, de laboratórios, enfim, de vários serviços. O Pediátrico receberá crianças até aos 18 anos e isso vai também tirar doentes aos HUC e ao Centro Hospitalar de Coimbra (CHC). E a natalidade está a baixar. O novo Pediátrico devia ser aquilo que sempre sonhei que fosse, a Unidade da Mulher e da Criança. Não me pergunte por quem é que devia ser gerido, mas tem todas as condições para juntar as duas maternidades, que têm cada vez menos partos, e têm valências exactamente idênticas, ambas com altíssima qualidade, não se põe em causa.

P – Faria sentido juntar as duas maternidades e o Pediátrico nessa unidade da mulher e da criança?

R – Faz todo o sentido. E se estivéssemos neste momento a preconizar aquilo que se deveria fazer na cidade até lhe diria: um só hospital. Faz todo o sentido encontrar um local onde se reúnam essas excelências – que tenham depois a mesma unidade de cuidados intensivos para recém-nascidos, os mesmos blocos operatórios, as mesmas salas de partos, as mesmas consultas externas, o mesmo estilo de trabalho médico –, incluir algumas valências da ginecologia e da própria medicina da reprodução e termos uma grande unidade que se dedique à saúde da mulher e da criança. Espero que os atrasos na abertura do novo hospital sejam para pensar nisso.

P – Está a falar dos dois hospitais centrais, os HUC e o CHC?

R – Se há dinheiro para construir hóteis em hospitais, também haveria para isso. Está a gastar-se muito dinheiro, a recuperação de edifícios velhos é caríssima, mas é necessário ter o mínimo de condições. O Hospital dos Covões é uma unidade que presta um serviço de excelência e, por exemplo, criou recentemente uma unidade nova de hemodinâmica, no Serviço de Cardiologia. Só tenho que aplaudir, devem prestar um serviço excelente, isso não está em causa. Mas na verdade duplica-se tudo: espaços, equipamentos e pessoas. E se calhar até se criam pequenas litigâncias, pouco saudáveis num meio como o nosso, com cerca de 200 mil habitantes.

P – Os serviços de saúde de Coimbra perderam influência na região?

R – Aquilo que outrora se dizia, que Coimbra servia toda a região Centro, já não é verdade, porque as acessibilidades à cidade, neste momento, dificultam a procura dos serviços. Noto isso na minha própria clínica privada. Por exemplo, recebia muitas doentes de Águeda. Hoje já não vêm de Águeda para Coimbra; vão para Aveiro ou para o Porto, porque o acesso é mais simples. Mas posso falar de outras zonas. Da Marinha das Ondas, aqui à porta, chega-se a Leiria mais depressa do que a Coimbra. De outras zonas, como a Covilhã, Castelo Branco ou Aveiro, que drenavam para os serviços de Coimbra as patologias mais diferenciadas, é mais fácil ir para outras cidades. Recentemente fui ver o jogo de futebol entre Portugal e Cabo Verde, por razões diplomáticas, e é terrível chegar de Coimbra à Covilhã. É muito mais fácil ir da Covilhã a Lisboa. Estes problemas de acessibilidades, que vão piorar com as portagens nas SCUT, condicionam o nosso hospital, que já não recebe situações que outrora cá chegavam.

P – Quando se demitiu de presidente do Conselho de Administração dos HUC foi, por um lado, porque o ministério não cumpriu o contrato-programa, mas também por não concordar com a passagem do hospital a EPE?

R – Não concordei, porque já estou farto de mudanças políticas e de políticos. Ao longo de uma carreira de mais de 40 anos assisti à passagem de 35 ou 36 ministros da Saúde. Vi não sei quantas políticas de saúde para consubstanciarem um modelo que está decidido, que é o sistema nacional de saúde. Houve a gestão autónoma, a gestão dinamizada da ARS, o serviço público administrativo, os SA, as parcerias público-privadas e outros. E o modelo que tinha assumido, que era o do sector público administrativo, funcionou.

P – Mas o que o levou a de-mitir-se?

R – Primeiro, demiti-me porque não foi cumprido o contrato-programa e não foram dados ao hospital os 36 milhões de euros previstos no valor de convergência, dinheiro que era imprescindível para o hospital. Mas quando recusei assinar o contrato-programa dos HUC para 2007, no qual o orçamento do hospital baixava significativamente, assinei a minha certidão de óbito político. Mas não podia assumir uma derrapagem à cabeça e aceitar o princípio de castigar os que se portam bem. Não se recusa ao ministro assinar um contrato; ou sai um ou sai o outro. Como o que recusa é o mais fraco, eu saí.

P – No início do ano pediu a reforma antecipada, a seis meses da data da sua jubilação, que é o momento mais alto da carreira de um professor universitário. Depois de 40 anos de serviço saiu magoado?

R – Sim, por três razões. Primeiro, porque sou um médico que teve que pedir a reforma antecipada e nunca pensei que o faria; segundo, porque sou um universitário que não se jubila; terceiro, porque sou um cidadão traído. Pedi a reforma antecipada e fiz tudo para que me fosse concedida no intervalo entre dois semestres de escolaridade, que é um mês. Ou seja, terminei o primeiro semestre com o “júbilo” de não ter reprovado nenhum estudante, ninguém sabia que eu ia sair, mas no segundo semestre, o de Obstetrícia, já não dei nenhuma aula e os estudantes já tinham outro professor.

P – Nos HUC viu ser extinto o Departamento de Medicina Materno-Fetal, Genética e Reprodução Humana, de que era director, mas foi convidado para director da AGI dessa área e recusou.

R – Não aceitei ser director da AGI porque não ia para um lugar que não sabia para o que era, nem o que é que fazia. E não tinha condições pedagógicas para continuar a dar aulas. No semestre de Obstetrícia precisava de ter instalações hospitalares para dar aulas, de fazer a distribuição de turmas práticas, controlar o ensino, fazer exames, e não podia ir fazê-lo num gabinete de onde até retiraram a placa com o meu nome.

P – Vai proferir a sua última lição em Paris?

R – Sim, vou proferir a minha última lição como universitário europeu em Outubro, em Paris, na qualidade de presidente de honra das 10.ªs Jornadas Europeias de Ginecologia e co-presidente das Jornadas Albert Netter da Sociedade Europeia de Ginecologia. A lição tem como título o “Big bang de l´être humain [O início da vida humana]”.

P – Foi um dos grandes defensores da ideia de Coimbra Capital da Saúde. A cidade tem condições para apostar no cluster da saúde?

R – Não tem outro e se calhar já teremos perdido esse. O desafio que se põe a Coimbra é criar um desenvolvimento sustentado na área da saúde, gerar projectos e industrializá-los e essa era a ideia do Campus das Ciências da Vida. Pretendia ser uma nova centralidade, uma nova cidade, na zona de Antanhol, onde existiriam indústrias, laboratórios de investigação, onde havia espaço para a Bluepharma, a Crioestaminal, a robótica, a engenharia de sistemas, mas onde tinham espaço também as pessoas, porque havia áreas residenciais, biblioteca, restaurante, sala de congressos e espaços de lazer. A isto chamamos um cluster. Isto está tudo escrito, em livros. Começámos a fazê-lo em 1999, em 2001 a CCDRC aderiu ao projecto e em 2002 tivemos o dinheiro do Plano Operacional da Economia. Entre os accionistas estavam o BES, a Parque Expo 98, os SUCH, empresas e 15 câmaras. Mas quem é que formalizou a ideia? Foi o Porto, criando o Health Cluster of Portugal, e o dinheiro perdeu-se todo.

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