O anúncio no jornal pouco tem de original: “Precisa-se, para obra em França, carpinteiros de cofragem, armadores de ferro, pedreiros e serventes”. Os contactos são um número da Vodafone e um telefone com prefixo de França. Em pouco tempo, dezenas de candidatos a emigrantes respondem e marcam entrevistas para uma esplanada, em Celas.
Terça-feira, 4 de Maio. Desde manhã que, na dita esplanada, é um corrupio de gente. No centro das atenções, um sujeito alto e encorpado, moreno e de brinco na orelha. “Um pintas”, descreve-o Pedro Costa, operário desempregado, de Taveiro.
A conversa, “com a lábia toda”, seduz quase todos os candidatos. O “pintas” representa uma empresa francesa e oferece facilidades na compra do bilhete de comboio, para Paris. “Dizia que, se fosse ele a comprá-lo, ficaria mais barato”.
Fica logo ali marcado novo encontro, para o mesmo local, dois dias depois. Aos “escolhidos”, o angariador pede cópias dos documentos de identificação e de qualificação profissional. A maioria, entretanto, logo adiantaro dinheiro (entre 100 e 150 euros). Nem todos, porém.
De repente, acontece o inesperado. Alguém, no centro comercial, desconfia dos ajuntamentos e liga à PSP. E, à tarde, uma brigada à civil irrompe na esplanada e procede à identificação do intermediário. Há aparato, o sujeito é levado para a esquadra e, ao que o DIÁRIO AS BEIRAS apurou, não foi difícil descobrir que se trata de um indivíduo, residente no Bairro Norton de Matos, em Coimbra, que faltou a um julgamento há algum tempo, tendo fugido para França.
Nem assim fica detido.
Nada disto, porém, é do conhecimento dos aspirantes a emigrar, quando chegam, esperançados, à mesma esplanada, na quinta-feira. Mas Pedro Costa, madrugador, descobre, a arrumar carros, um tipo conhecido que lhe conta a operação policial. Por isso, diz ter avisado os companheiros: “se ele não vier, já sabemos porquê”.
Só que o “pintas” aparece mesmo. E o entusiasmo por uma vida melhor volta a instalar-se. Até domingo, às seis da tarde, hora marcada para o embarque. Na estação, comparece a trintena de “escolhidos”. Mas o “pintas” não dá sinal de vida. Vai de ligar. Qual quê? Do outro lado, o “pi-pi-pi” de número inexistente sugere o pior.
O cenário, desolador, traduz-se, então, em oito ou nove pessoas com os bilhetes Coimbra-Paris Montparnasse na mão – três deles, desesperados, optam mesmo por apanhar o comboio e ir ao “seja o que deus quiser”. Os outros vinte e poucos pensavam que iam receber, ali, o bilhete já pago ao “pintas”.
Pedro Costa acabou por ser o porta-voz do grupo, na queixa apresentada à PSP.