Diz-se de tudo o que brota, ser fruto de sementeira. Assim haja braços que atirem a semente ao chão, assim haja chão que receba o gesto (e a semente). Por volta de 2010 juntou-se à Escola que ali havia (e permanece) o Conservatório, levando consigo um auditório dos mais belos que Coimbra tem, dos mais perfeitos para que a música ali se faça e se ouça. É, porém, tarefa complexa poderem as escolas fazer mais do que a sua obrigação – a de conduzir os jovens pelo que se pretende que eles saibam, às vezes muito, outras vezes pouco, assim se queira que a Escola seja uma estufa do pensamento ou apenas um preparador para as linhas de montagens das cadeias de apropriação de mais-valia. Não tinha o Conservatório, que a Escola da Quinta das Flores tinha aceite como companheiro para a vida, capacidade de dar àquele auditório o destino que era merecimento seu, merecimento por igual dos cidadãos desta Cidade. Ainda por cima queria-se que aquele espaço fosse também um lugar de passagem dos que, não sendo daqui, aqui pudessem deixar seus encantamentos, entre sonatas e cantigas, entre conversas e filmes, poemas e passos de dança.
Juntaram-se, então, alguns inquietados, dos que acham sempre que é preciso mais, e ao arregaçar de mangas se dispõem. Resolveram, aqueles poucos a que muitos se foram juntando, criar a Associação de Amigos do Conservatório de Música de Coimbra. O Conservatório, por si, fez o que lhe competia, por ter a chave da porta e a convicção de que uma escola – de artes, como da mais exata das ciências – só é Escola (com maiúscula) se souber fazer-se ao mundo, deixando que o mundo passe por ela. Ainda por cima, tem uma escola de Artes obrigações maiores do que a de cumprir a estrita (e bela) obrigação de ensinar. Uma escola de Artes ensina a Música mas precisa do seu soar, ensina a Dança mas precisa de observar os gestos de que a Dança se faz. Não sendo, em si, um agente cultural, a Escola precisa – tanto como das ferramentas pedagógicas – de que a Cultura lhe entre nos corredores.
Ao longo do ano letivo, o auditório do Conservatório e da Quinta das Flores era visitado duas vezes pelas estações das Cores de Outono e da Sagração da Primavera, quebrando as rotinas de uma sala que nasceu para ser isso mesmo – uma estação de encontros dos artistas com quem os quisesse ali ouvir. Atente-se nos nomes da primeira temporada: Mário Laginha, Segue-me à Capela, Paulo Soares e Rui Poço, Carlos Bica e Azul, uma conferência por Luís Amaral Alves, Crónicas da Idade Mídia (rádio ao vivo com Ruben de Carvalho e Iolanda Ferreira), Júlio Dias e Cândida Matos, Pedro e o Lobo (por uma orquestra de professores do Conservatório e a atriz Helena Faria), Quinteto de Gonçalo Moreira, Paixões Cruzadas (rádio, com António Macedo e António Cartaxo), Paula Oliveira e Pedro Burmester – as músicas todas e muitas palavras ao alcance de todos, para privilégio dos que o soubessem colher. Mais sete estações se seguiriam, cada uma delas a fazer de Coimbra um ponto de passagem do que de melhor se faz por muitos lados. Caminhada comprida de que “As Beiras” foram parceiro seguro, também.
No início desta semana a Associação de Amigos do Conservatório cessou atividade. Faltou a compreensão, por quem manda, de que a Escola é sempre mais além dos regulamentos; faltou o pé atravessado na porta, para que ela não se fechasse; faltou a indignação que sempre falta quando a Cultura é uma espécie de luxo, gentil mas dispensável. Fica para a História a alegria dos Amigos que mostraram aquele auditório à Cultura. E o chão, à espera dos braços de uma (indispensável) nova sementeira. Tanto que as escolas precisam de Amigos!