Portugal é, no dizer do geógrafo Orlando Ribeiro, “um anfiteatro virado para o Atlântico”. Só de ler esta frase sentimos o fresco do mar, os salpicos das ondas às vezes bem revoltas e o cheiro a mar salgado. Até podemos estar em Trás-os-Montes ou na Beira Alta, mas sentimos, pois no planalto, último patamar do anfiteatro, ainda sentimos o cheiro a maresia. As sardinhas doces de Trancoso são um sinal disso mesmo.
Encostados a oeste ao oceano Atlântico nem temos noção da sorte que temos, pois somos um retângulo de terra que, literalmente, abraça ou se deixa abraçar pelo mar. O mar está-nos no sangue antes de banhar a nossa extensa costa. Somos marinheiros por natureza e não poderíamos nunca ter fugido ao destino de ousar desbravar o mar que tanto aconchego nos deu e nos dá, sobretudo, porque a ele sempre fomos buscar alimento. Temos, por isso, uma expressão atlântica natural na nossa alimentação. Não poderia ser de outro modo. No século XVIII diziam os estrangeiros que visitavam Portugal que as ruas de Lisboa cheiravam à sardinha assada sobre as brasas e a peixe frigido em azeite depois de passado por farinha. Caminho fácil e barato para matar a fome sobretudo para quem tinha menos posses, pois os que podiam comiam peixe à posta.
Atrevo-me a dizer que antes de sermos mediterrânicos na alimentação, fomos atlânticos. Sim, digo isto porque na verdade a preponderância do pescado na nossa alimentação não é um elemento ao lado de outros, mas é um elemento diferenciador. De tal maneira que temos de referir a dieta atlântica como prova autónoma para além da mediterrânica. Se de acordo com os registos oficiais, em 2017 foram capturadas pela frota portuguesa 179 437 toneladas de pescado ao longo da costa portuguesa, as estatísticas disponíveis para os resultados da pesca em finais do século XIX apresentavam resultados surpreendentes tendo em conta os recursos e as embarcações da época.
Expressão atlântica da nossa alimentação, o peixe e todos os frutos do mar representam elementos imprescindíveis da nossa alimentação desde sempre. Para além do muito proclamado de que temos o “melhor peixe do mundo” e de que nos habituámos ao peixe por causa do extenso rol de dias de jejum por obrigação religiosa, a verdade é que há muito que temos o peixe no centro da mesa e gostamos.
Pena, no entanto, é sentir que se, outrora, a diversidade à mesa era maior, atualmente, as estatísticas dizem-nos muito acerca da monotonia alimentar no que respeita ao consumo de peixe. Se as espécies disponíveis ao longo da costa ultrapassam as três centenas, a verdade é que as estatísticas disponíveis nos dizem que a descarga dos peixes nos principais portos nacionais apresentam valores extraordinários para a cavala, carapau, sardinha, polvo e pescada e valores quase residuais para as restantes cerca de 60 espécies descarregadas nos portos. Porque será assim? A frio e passando em revista o receituário associado ao peixe, atrevo-me a dizer que talvez seja uma prova do desconhecimento que temos em relação à forma de confecionar o pescado, pois este até na versão mais simples, ou seja grelhado, tem muito que se lhe diga. Lume a mais, lume a menos, brasa mais incandescente, brasa morna, tudo faz a diferença. E quando damos por ela, não queremos peixe. Por isso, antes de aprendermos a gostar de peixe, vamos aprender a cozinhar peixe?