Opinião – À boa maneira portuguesa

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À boa maneira portuguesa se trabalha nos centros de saúde. Abrimos unidades sem terem computadores suficientes, vemos pessoas doentes sem material para as observar nem tratar e fazemos omeletes sem ovos…e depois queremos que as pessoas venham aos centros de saúde primeiro e não aos serviços de urgência.

Indo ao centro de saúde uma pessoa arrisca-se seriamente a sair de lá com consulta feita sem acesso ao processo clínico eletrónico porque o sistema está em baixo; sem os exames que precisa por não haver sistema ou computador que funcione ou impressora que tenha tinta (por não haver tinteiros nem toner há meses em toda a região); com receitas em papel à margem da lei (sem código escrito no canto que agora é obrigatório, em caso de falha informática, por não haver quem atenda o telefone a tempo para o dar nos serviços locais). E tudo isto depois de ser observado com material trazido de casa pelos profissionais, com material que não é adaptado para eles ou sem material sequer, sob um calor ou frio abrasador (porque não há climatização nem ventoinhas que funcionem e o termoventilador que trouxeram de casa também já avariou)… E sairá de lá, possivelmente, medicado e tratado com injetáveis que não existem no centro de saúde (e, por vezes, nem na farmácia mais próxima) ou com nebulizações que não funcionam e lá teve de ir com a carta para o hospital pedir para fazer o tratamento, que deveria ter sido feito no centro de saúde.

Por mais confiança e relação que tenham entre profissionais e utentes nos cuidados de saúde primários e por mais motivados que todos estejam, é normal que numa próxima vez se possa optar por ir primeiro ao serviço de urgência e resolver logo os “problemas”.

Porque sempre que falta material nos centros de saúde são exigidos procedimentos logísticos intermináveis e, como se vão fazendo as omeletes, com várias deslocações dos doentes ao centro de saúde para buscar o que faltou da última vez, com serões dos profissionais a registar as consultas dos dias anteriores sem sistema informático e com a colaboração dos serviços de urgência hospitalares, até parece que está tudo bem.

Os pedidos de computadores que esperam meses (e anos) a chegar implica que haja profissionais que não têm sequer computadores para usar onde estão os processos e os registos dos utentes. Há também unidades novas que abrem com toda a pompa e circunstância sem computadores para todos. Como se pode trabalhar assim, sem o mínimo de condições de segurança?

Já sem falar no material mais básico como aparelhos para medir tensão arterial, oxigénio e até simplesmente para ver os ouvidos (sim, já vi doentes serem enviados à urgência para ter estas medições feitas). Aparelhos enviados para reparação demoram meses ou anos a retornar (quando retornam) e todos os simples pedidos de material esbarram nas intermináveis linhas logísticas das ARS e dos ministérios da Saúde e Finanças, e lá ficam no trânsito parado enquanto os profissionais vão empunhando, cheios de amor à camisola, frigideiras vazias tentando fazer o melhor “cozinhado” possível para quem realmente precisa, à boa maneira portuguesa.

 

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