Opinião: A Aldeia

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Era uma vez uma aldeia que tinha dez habitantes. Era uma aldeia histórica, conhecida e muito bonita. Dos dez habitantes, sete estavam desempregados e três tinham emprego: trabalhavam na junta de freguesia. A taxa de desemprego era, portanto, de 70%. Uma calamidade, que muito preocupava o Presidente da Junta.

Mas nesse ano tudo mudou. Um dos amigos da aldeia arranjou emprego para cinco dos habitantes, algures numa cidade do Norte. Nesse ano a aldeia perdeu, portanto, 50% da sua população. No entanto, com a saída dessas pessoas a taxa de desemprego desceu para 40%.

No ano seguinte, dado o sucesso desses cinco ex-habitantes no mercado de trabalho, mais dois saíram para a mesma cidade, que ficava perto do mar. Nesse ano a aldeia perdeu 40% da sua população e a taxa de desemprego foi reduzida para 0%. Os únicos três habitantes da aldeia eram funcionários da junta de freguesia.

No ano seguinte não saiu ninguém e a taxa de desemprego manteve-se nos 0%.

Na aldeia havia uma empresa. Chamava-se “Limpa Rápido” e era do Presidente da Junta. Prestava serviços de limpeza de jardins e valetas à Junta de Freguesia e empregava um dos funcionários da junta em part-time.

No dia de Sº António, que também era dia da aldeia, o Presidente da Junta vestiu o seu melhor fato e fez um grande discurso em frente a toda a população da aldeia (duas pessoas estavam em frente a ele). Começava assim:

“Em somente três anos invertemos a perda de população, atingimos o equilíbrio e não temos desemprego. Também aumentamos o número de empresas por habitante: há três anos existia uma empresa por cada dez habitantes, agora existe uma empresa por cada três habitantes, o que significa 3.3 empresas por cada dez habitantes – um crescimento muito significativo de 330%, que só foi possível devido à nossa política económica e de captação de empresas”.
Os funcionários fizeram um sorriso amarelo e fecharam a junta mais cedo. Não por ser feriado, mas porque não havia ninguém para atender.

O Presidente da Junta montou no seu B8 (8º burro, recentemente adquirido a um dos ex-habitantes que se desfez de todos os seus pertences) e lá foi fazer a ronda pela aldeia para ouvir as queixas dos fregueses e os problemas que enfrentavam. Foi uma viagem curta. Quando chegou a casa, satisfeito, apontou no seu bloco de notas: “mais um dia feliz, nem uma única queixa”.

Pela janela de sua casa fixou o horizonte pensativo. A dinâmica do seu mandato e os resultados económicos obtidos deixavam-no nervoso. Era necessário empreender, tendo em conta o futuro da Aldeia e das gerações futuras. O terreno em frente a sua casa, pertencente à família do falecido Compadre Fradique, tinha sido, em tempos, um campo de milho que alimentava um dos negócios que a Aldeia deixou morrer: o seu moinho e a fábrica de farinha Fradique e Irmãos Reunidos Lda. De repente, os seus olhos abriram tanto que quase saíram de órbita. Tinha acabado de ter uma brilhante ideia: “E se eu construísse aqui um…”.

Nessa noite nem conseguiu dormir. A mulher, secretária na junta, resmungou qualquer coisa sobre o facto de comer e beber demais ao jantar não ajudava a dormir, mas ele nem prestou atenção. No dia seguinte, logo pela manhã, ainda nem eram 11:50, montou o seu B5 (o seu burro mais rápido) e dirigiu-se à junta. Reuniu todos os dois funcionários e anunciou: “vou construir no campo de milho do Compadre Fradique um…”, acabou a frase em surdina porque as paredes têm ouvidos.

Os funcionários da junta abriram a boca de espanto e imaginaram “um…” naquele terreno baldio, com pouco mais de 100 metros de comprimento, que terminava numa ravina e que tinha um enorme penedo no meio que fazia uma sombra fantástica à tarde. Os habitantes da Aldeia conheciam-no como o “Penedo Mudo”. Mudo? Sim, mudo, porque se ele falasse, com a sua sombra fantástica escondida pelo milho, … FIM

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