Opinião – Numerus clausus

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As massas económicas, sociais e políticas que compõem o nosso território são diversas e acomodam boas razões para se repensar a política de coesão territorial. A hierarquia regional evidencia, por exemplo, uma riqueza por habitante em Lisboa nos 106% da média da UE e de 59% no norte do país. As áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto somam 44% da riqueza produzida no país, 34% do emprego, 31% da população e 65% das Instituições de Ensino Superior (IES). Sobre a distribuição geográfica deste recurso estratégico para a sociedade do conhecimento, sabemos que, entre 2001 e 2006, a população residente nas áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto aumentou 6% e diminuiu 0,6% (respetivamente) e, entre 2009 e 2016, os alunos no ensino secundário diminuíram 14% em Lisboa e 19% no Porto. Apesar disso, e em contra-ciclo, entre 2001 e 2016, as vagas no Curso Nacional de Acesso (CNA) aumentaram 42% em Lisboa, 13% no Porto e diminuíram 9% no resto do país.

Só descendo da grande cidade, compreenderão de que sofre o país. Não bastasse esta ‘estratégia’ de desenvolvimento territorial, destaco outros dois contributos para a morte lenta da província. O primeiro resulta da aplicação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, que estão a ser desviados do país ’atrasado’, das “regiões de convergência”, para serem aplicados na capital, numa clara violação da terceira dimensão do Tratado de Lisboa – o da coesão territorial. O segundo, mais dramático, encontra a sua origem no inverno demográfico. O cálculo é grosseiro, eu sei, mas evidencia o efeito arrasador do declínio da família humana: se fizermos corresponder aos 116.002 nados-vivos de 1999 às 50.838 vagas no CNA de 2017, na mesma relação, aos 86.154 nados-vivos de 2017 corresponderão, em 2035, 37.157 vagas (menos 26%)!

O Governo estaria muito bem se fosse este o enquadramento para diminuir 5% das vagas do CNA em nove IES de Lisboa e do Porto e aumentar na província. Claro que a decisão não é consensual. A exemplo, pode desproteger quem tem um nível socioeconómico mais baixo ou pode não garantir o preenchimento das vagas (no CNA 2017/18, ficaram por preencher 20% das vagas em onze IES). No entanto, como não apresentou medidas de descriminação positiva articuladas, nem um plano concertado capaz de devolver a atratividade ao território, resta saber se os 5%, de per si, vão fixar pessoas na província. Aqui divirjo das (poucas) reações públicas! A medida é notável, tanto por esconder a ideia peregrina de retirar às IES do Interior um dos objetivos do ensino superior (o da prossecução dos estudos na área e Instituição de preferência do aluno), como, surpreendentemente, por traduzir-se num efeito inverso ao que anuncia!

Ao estimular as IES das duas maiores cidades a especializar a sua oferta na pós-graduações (“darmos maiores possibilidade a Lisboa e ao Porto de avançarem na pós-graduação”), o ministro Manuel Heitor está a empurrar o 1º ciclo (licenciaturas) para a província, aliás, como (erradamente) sustenta: “a tendência nas principais universidades europeias é terem cada vez mais estudantes de pós-graduação do que de formação inicial. Devemos convergir nesse sentido”. Se interpreto bem, a maioria de esquerda encontrou o pragmatismo da governação na solução neoliberal de trocar as vagas reguladas com propinas fixas, por vagas abertas ao mercado.

Ora, se a inovação provém das comunidades científicas onde existe uma forte capacidade de investigação, se as IES são as principais pulverizadoras dessa investigação pelo território, se a valorização do conhecimento reside, especialmente, nos programas doutorais, e, como rematou o reitor João Gabriel Silva, o Estado “jamais terá recursos para empregar todos os doutorandos” tendo de ser as empresas a fazê-lo, ante o exposto, como é que centralização destes programas nas grandes cidades se enquadra como uma “política pública justa” que visa combater “os desiquilíbrios territoriais”?

 

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