Opinião: A Europa é (também) aqui

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Era (e é) esloveno o primeiro jovem que se dirigia ao público no mais recente espetáculo do GEFAC, o Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra. Eram dele as palavras portuguesas que apresentaram aos que acorreram à casa da Escola da Noite os cantos e as danças de que (também) são feitas as celebrações do povo açoriano. Sabe-se lá por que artes do encontro, no palco da Cerca de São Bernardo, uns eram daqui de perto, outros chegados de longe – itálias e irães, polónias e turquias – para “falar” músicas e passos de dança no idioma de juntar gente, que é o dos povos quando o terreiro é o seu país. Percebe-se que assim seja. Pois se o gostar de aprender o mundo é o impulso primeiro de todas as vidas, claro que aqueles jovens haviam de gostar de Alvoradas insulares, passos afinal dessa coisa grande a que chamamos Cultura, igual em encantamento nas ilhas do Atlântico, nas pastagens da velha Pérsia e nos cumes altos dos Alpes. E paz, que as zangas de que padece o mundo não são de credos nem de linhas de fronteira – são as da posse, esse jogo antigo da repartição do pão, sobrante nuns lados, ausente noutros. Dizia o Poeta que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e nós acrescentamos que é delas, das vontades, o engenho de mudar os tempos. Por isso é que naquele lugar que foi da Inquisição se cantou agora, a sotaques diversos, numa só voz.
Se mais razões não houvesse, bastaria o pequeno acontecimento que acima se relata para justificar a vontade de fazer de Coimbra a Capital Europeia da Cultura em 2027. O processo é o que está inscrito nos rumos dos humanos: primeiro surge a vontade, depois faz-se caminho. E, como em todo o lado em que somos muitos, há quem se chegue à frente e diga “eu vou” e, assim dizendo, vá juntando companhia para os primeiros passos. Assim foi agora, tão fresca está a notícia, os rostos revelados nos jornais. Haverá quem discuta os “nomes”, mas do que por enquanto se sabe é das vontades, pouco mais e ainda bem. Porque a primeira vontade foi a anunciada ao som de “Venham Mais Cinco”: a de juntar vontades, por ser sabido que uma praça de juntar europas (e mais mundos por toda a Rosa dos Ventos) não se pode ficar por ser promessa – ou é mecanismo ou não funciona.
Talvez tenha sido por ser o lugar em que a montanha se esbate no vale, ou o contrário – a suavidade do vale a enrugar-se na montanha. Ou talvez o rio, acelerando os corpos em direção à foz, permitindo-lhes rumo mais além da terra pouca. O certo é que, a Coimbra, foi calhando ser Europa antes mesmo das fronteiras, um meio-caminho entre terras, uma estação entre vidas – rota de ratinhos entre a fome e a colheita, lugar de passagem entre a Serra e os brasis, casa dos que ficaram, dos que partiram, dos que vão chegando. Na Europa dos povos e dos seus sinais de pensar destinos faz sentido que Coimbra se apresente.

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