Há um velho princípio hipocrático da ética médica que deveria ser emoldurado nos Paços do Município de Coimbra – ‘primum non nocere’ ou ‘primeiro não fazer mal’. Há uma diferença importante entre fazer bem, isto é, construir activamente soluções para os problemas aumentando o bem comum e não fazer mal. Já ninguém espera em Coimbra que o executivo municipal realize propriamente o que vai anunciando em folhetins sucessivos – o metro de superfície, o novo tribunal, a deslocalização da prisão ou o espantoso aeroporto móvel recente. Mas pedia-se que, pelo menos, não fizesse mal – desde logo, não prejudicasse o estatuto conseguido por gerações de trabalho assistencial, docente e de investigação para afirmar Coimbra como capital da saúde.
O caso da nova Maternidade de Coimbra é paradigmático. Apesar das diferenças identitárias das duas importantes Maternidades que temos em Coimbra, os Obstetras, os Enfermeiros e as equipas de saúde de ambas as instituições concluíram pela vantagem da fusão, tendo como princípio basilar a qualidade dos cuidados às grávidas, aos nascituros e às famílias que querem ter filhos nesta região. Trabalhando diariamente em edifícios e com equipamentos com a marca do tempo, os cuidados obstétricos de Coimbra são uma referência internacional que importa preservar.
De tal forma isto é assim que, em plena vigência da Troika, o então Ministro da Saúde, Paulo Macedo, dotou o CHUC de 4 milhões de euros para o 1º ano da construção da nova Maternidade – uma exigência nacional que não oferecia contestação mesmo em período de perda de autonomia financeira do País.
Em Dezembro de 2016, veio o actual Ministro da Saúde anunciar a Coimbra o lançamento da nova Maternidade. Triste momento. Entra em cena o edil de Coimbra, em pleno ano eleitoral, com uma proposta sem estudo ou fundamentação – localizar a Maternidade nos Covões. Perde-se todo o ano 2017 nos estudos sobre a localização, com comissões ministeriais a pedido do autarca. Tecnicamente, o local Covões teve pontuação final negativa. O resultado não poderia ter sido mais catastrófico para Coimbra – perde-se o investimento, desagregam-se vontades, prejudica-se a população.
Entretanto, o governo socialista decreta, em 2018, a instalação de um novo centro de tratamento oncológico através de prototerapia em Lisboa – um investimento de 100 milhões de euros com 10 milhões de euros para contratação de quadros qualificados até 2020 – quando Coimbra, com o ICNAS, seria seguramente a localização nacional mais aconselhável para o efeito. Sobre isto, nada do edil. Silêncio total.
O mesmo governo socialista, na resolução imediatamente anterior (nº 27/2018 ), criou a Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica – no Porto. Aqui também não se levantaram problemas de localização ao nosso presidente da Câmara. Infelizmente.
É impossível discernir um caminho na cegueira estratégica que sofremos. Mas já que não fazem bem, pelo menos não prejudiquem. A saúde de Coimbra agradece.
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