Opinião: Amar Coimbra

Posted by
Spread the love

Amar Coimbra é fácil? Sim, é muito fácil. É fácil ficar preso com o fascínio da sua história, dos magníficos projetos que se desenvolveram na cidade, como por exemplo, todos os planos e projetos para instalação do ensino superior na Rua da Sofia, da praxe académica, da sua beleza, do imaginário de histórias fantásticas, verdadeiras ou não, algumas das quais são anteriores à nossa nacionalidade (o brasão da cidade tem a imagem de uma mulher que resulta da lenda da princesa Cindazunda) e do papel essencial que a cidade desempenhou na nossa história como nação independente.
Mas tudo isso é passado. Não se vive de passado. Quer dizer, ele é necessário, ajuda-nos, distingue-nos, dá-nos credibilidade e pode potenciar muitos dos novos projetos para o futuro, mas não se pode viver de passado. Quem vive de passado está condenado a não ter futuro.
A degradação da cidade tem sido mais ou menos contínua, aqui ou ali desacelerada pela ação mais consciente deste ou daquele autarca, como resultado da ação de vários executivos municipais. Pode resumir-se pela total ausência de estratégia, identificação de potencialidades e incapacidade de coordenar as ações dos vários polos de desenvolvimento existentes neste espaço que, apesar de fácil de amar, é uma cidade de capelas e capelinhas, que não planeia e não coordena planos de desenvolvimento, nem está habituada a pensar numa estratégia comum. Para isso seria necessário considerar o futuro da cidade um valor superior. No entanto, em Coimbra está tudo politizado e somos incapazes, como comunidade, de chamar os melhores a colaborar na gestão pública, pois prestamos atenção, em primeiro lugar, à preferência política de cada um, isto é, a circunstância de cada um está reduzida à sua cor política ou à pertença a grupos de interesse mais ou menos privados (ou até secretos). A competência, a capacidade de ajudar a cidade, a capacidade de atrair oportunidades, etc., são valores secundários.
Um bom exemplo que gosto de dar é o do iParque. Quando me desafiaram para o dinamizar, em agosto de 2007, era uma ideia cheia de conflitos e guerras entre personalidades de Coimbra. Encontrei uma empresa cheia de problemas, com processos em tribunal nos quais se dirimia a posse de uma empresa que tinha nascido 4 anos antes e se consumia o seu parco capital social. Típico de Coimbra. O iParque não era nada, era pouco mais do que um nome, não tinha nada construído e os planos eram ainda rudimentares: não havia um único sinal de estratégia. No entanto, era alvo de guerra constante nos jornais, nos meios políticos e entre vários dos intervenientes. Arranquei com o iParque em 2007, sem dinheiro, portanto recorrendo a financiamento bancário e correndo os riscos inerentes: o projeto fazia sentido e era necessário, como ainda é, para mudar a sina desta cidade. O financiamento só apareceu em 2010, com o QREN, depois de uma completa reorientação do projeto e definição do respetivo plano estratégico. A dinâmica criada permitiu atrair um investimento diferenciador para a cidade em tecnologia de ponta, permitindo que tomasse dianteira relativamente a Braga, Aveiro e Lisboa (estou a falar, por exemplo, da Innovnano – a única empresa de nanotecnologia do país, cuja lógica diria que se deveria instalar em Braga onde está o laboratório de nanotecnologia, mas também de outros que estiveram contratualizados e não se realizaram por inércia e falta de ambição). Não há nenhum investimento desse tipo noutros locais à volta de Coimbra: e, muito infelizmente, quase ninguém o valoriza. O desinvestimento no iParque e a total descoordenação que hoje o prejudica começou muito antes de Manuel Machado.
Lamento, mas é fácil amar Coimbra porque é fácil visualizar as suas imensas potencialidades. No entanto, é ainda mais fácil abandonar Coimbra porque rapidamente percebemos que em Coimbra os travões e a inércia (muitos deles relacionados com a excessiva politização e atenção a pequenos grupos em detrimento da comunidade) impedem qualquer tipo de atitude coordenada que tenha objetivos de desenvolvimento coletivo.
É urgente a perceção de que a trajetória de insignificância que seguimos terá consequências, a muito curto prazo, na capacidade de dar a volta a esta letargia em que vive a cidade. A inversão de trajetória demorará muitos anos e será muito complicada e dolorosa.

One Comment

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.