Opinião: À Mesa com Portugal

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Não é mau feitio, nem muito menos desajustamento temporal do género “antigamente é que era bom”. O natural tem muito que se lhe diga e, desde que o homem é homem, que não consegue resistir a propor uma modificação ao “natural”. A sua procura pelo melhor a isso o leva. Por isso, com reserva afirmo que antigamente é que o pão era bom.

Aliás num tom mais sarcástico e extremado digo que hoje o pão já nem é pão. É um aglomerado de produtos que, eventualmente, levedam e nos fazem parecer pão. E espantem-se! Muito dificilmente, uma padaria encontra farinha que não seja corrigida, ou seja, que não seja “trabalhada” para dar um pão homogéneo, fofo, uniforme e com ar de sempre fresco. Para além disso, ainda os padeiros são aconselhados a incluírem na receita algo mais que permita um resultado melhor. Melhor claro, do ponto de vista comercial. A finalizar, muitos são os locais onde o pão disponível tem açúcar.

É claro que com esta descrição não quero, de todo, dizer que devemos deixar de comer pão. Muito dificilmente o conseguiríamos até porque a nossa matriz alimentar centra-se nos cereais e, sobretudo, no pão. Mas custa-me a desinformação entre os “fazedores” de pão, pois se alguns são padeiros, outros apenas executam receitas que a indústria alimentar disponibiliza com produtos milagre. E ninguém questiona nada.

Que produtos são incluídos, ora nas farinhas, ora nas receitas? Alguém sabe para o que servem? Alguém questiona os seus efeitos? Decerto, não será um padeiro que saberá identificar, ler, descortinar ou perceber todos os ingredientes aconselhados. A literacia científica que possuem não lhes permite.

E o público consumidor? Sabe ler nas entrelinhas de um pão? Duvido. Primeiro, porque o pão não traz rótulo. Ou seja, compramos e pronto. Segundo, porque também não saberíamos interpretar os diversos “conteúdos”. Vemos, sobretudo, a histeria do glúten (se há uns que são alérgicos outros seguramente vão na moda) e a procura desenfreada do pão escuro (sem perceber o que é pão escuro) e os pães “diferentes” de alfarroba, de sementes, com isto, com aquilo.

Sem noção do que é a nossa história do pão, sem perceber porque determinados pães se consomem em determinados territórios, sem entender porque os nossos antepassados foram selecionando os ingredientes no pão. Sem questões. Apenas informação do “saudável” segundo o “estudo científico” que aparece em qualquer meio de comunicação.

E no meio de tudo isto, às vezes custa perceber que determinados alimentos sejam diabolizados e que outros, sem interrogações, sejam aceites. Critica-se a “fast food” e o pão que comemos não é “fast food” da mais pura? Com agravante de que ninguém a questiona. Sem controlo da opinião pública, sem controlo da comunidade científica, sem a triagem da interrogação “porque hoje em cada esquina encontramos pão?” deixamos que um produto com tanta importância seja feito, assim, e entre na nossa alimentação sem qualquer análise.

Claro está que iremos continuar a consumir pão. Claro está que ainda encontramos padeiros que fazem jus à tradição do pão em Portugal. Mas, importa olhar o pão, para além do aspeto, para além da diversidade presente numa vitrine. Queremos saber o que andamos a comer quando comemos pão. Até porque num pão encontramos toda a nossa história da alimentação. Isto digo eu, que enquanto escrevo, saboreio um belo de um pão de trigo, uma carcaça, bolo lêvedo e massa sovada em São Miguel.

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