Opinião: Somos o que comemos

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Se no século XVIII os matadouros ou açougues eram olhados como fonte de rendimento municipal, a evolução científica fez com que o consumo da carne fosse considerada uma questão de saúde pública, obrigando ao estudo das doenças dos animais como questão não só de economia agrária, mas também de segurança alimentar pelas repercussões logo observadas nos homens que se alimentavam com a sua carne.
Também a Universidade de Coimbra entrou corajosamente neste processo de higienização dos alimentos, havendo na Faculdade de Filosofia (Natural) uma cadeira de Veterinária lecionada por J. F. Macedo Pinto. Fazia-o com base num livro de que era autor em três volumes, onde esta matéria era exposta sequenciada e organizadamente detalhado.
Serve-me para ir identificando doenças que levavam à rejeição da carne nos matadouros em 1910 e ir tendo um ideia clara sobre o que significavam há 140 anos, explicando concretamente num caso que: “A baceira ataca os animais bovinos, que vivem em lugares baixos e pantanosos, ou que comem alimentos viciados. É frequente no estio, mormente no Alentejo, na Estremadura, no campo de Coimbra, e nos lugares muito sezonáticos” ( 1 ).
Só não entendo como um país agrícola não tinha então na Universidade um curso de veterinária e nem agora o tem. Talvez agora tal se explique por deliberadamente ter havido uma política de esvaziamento do campo, que nada acrescentou à nossa felicidade coletiva. Só o transformou em pasto de chamas pois o esvaziou dos homens e mulheres e também dos animais que nele se alimentariam. Dar-nos-iam com melhor qualidade carne e leite por o fazerem sem recurso a rações já que estas alimentam pior os animais.
Agora que os fogos diminuíram a capacidade de produção de leite nos campos da serra da Estrela, fica por abastecer o mercado do queijo da serra, notando-se o contrassenso de uma política agrícola que não cuidou nem cuida do desenvolvimento sustentável das regiões do Interior.
Agora que estamos na primavera, felizmente com menos seca pois tem chovido, nada parece estar preparado para a aproveitar e com ela voltarmos a viver dos alimentos produzidos no campo, dando os campos alimento ao gado que continua a viver nele.
Fala-se apenas de coimas para quem não limpar os seus terrenos para impedir fogos neste ano de 2018, quando o essencial era preparar o melhor possível os campos para o ano agrícola que agora começa.
De facto, quando agora percorro o campo só vejo terrenos calcinados e não noto qualquer “tentativa” de lhes dar uso produtivo por já ninguém acreditar na agricultura como modo de vida. E nada disso augura um futuro melhor para todos nós.

( 1 ) Pinto, José Ferreira de Macedo – Compendio de Veterinária ou curso completo de Zooiatrica Doméstica, 3ª edição reformada e muito acrescentada, volume I, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1878, pp. 455-456

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