Opinião: A incerteza científica

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Faz umas décadas que caiu o muro de Berlim e começaram a surgir os telefones móveis, explodiu a World Wide Web , a construção passou a ser por moldes, a rapidez invadiu tudo menos a justiça portuguesa e a obsessão pelas certezas e as garantias tornou-se demencial. Hoje queremos ter saúde, ludibriar a idade, fintar os defeitos do corpo, acrescentar peças que nos “melhorem” e adaptem.

Criámos sistemas com normas que certificam e garantem qualidade, que obrigam a procedimentos de normalização e padronização de comportamentos. O mundo depois de 1989 é uma realidade de ciência pública, de informação online com inúmeros textos para pesquisa e substância das dúvidas. A realidade no entanto é outra. A maioria dos saberes está sustentada em teorias e em verificações por exposição ou por análises de resultados.

Evoluímos muito, mas muito menos do que o desejado e frequentemente aquilo que resulta da experiência nem se sabe porque aconteceu. O tratamento de linfomas evoluiu imenso, o controlo de Hipertensões é bastante eficaz, erradicámos doenças, construímos modelos de tratamento eficaz com base em constatações surpreendentes. Hoje vivemos mais tempo porque reduzimos muitas infecções, construímos assépcia e sobretudo elevamos a higiene e padronizámos os resíduos. Mesmo assim a causa última, a razão de ser das doenças ainda é desconhecida numa gigantesca percentagem de situações.

Muitas pessoas olham os outros com uma exigência que imana deste paradigma de certezas ignorantes, de intolerância inculta. Mais grave é a existência de ditadores científicos, os tipos que julgam saber tudo sobre determinados temas. Há os que lêem umas linhas de internet e descobrem verdades universais. Isto é real para o empacotamento, para os moldes de construção, para toda a padronização, para o ensino, para a interpretação da lei, para a segurança.

O mundo de hoje é tão atrasado para os que nascerão em 2025 como a existência de 1988 para nós. O rolo compressor do conhecimento esmaga tudo o que sustentávamos antes e desequilibra os saberes de quem se afasta da espuma da ciência. Por isso a incerteza é a razão de ser da evolução, por isso a dúvida é o pilar do método científico.

Claro que apesar de tudo isto as pessoas tentam exigir garantias dos tratamentos para os seus queridos, tentam perceber como resolvem as suas dúvidas, querem reorganizar a sua evolução, os seus capilares, os seus cabelos, as suas rugas. Este confronto com o erro zero constrói uma fronteira de conflito onde a justiça e os pareceres técnicos são fundamentais. Devíamos caminhar para a tolerância e a participação pois a especialização construiu os mestres da vírgula, mas infelizmente ignorantes da frase, desconhecedores dos substantivos e dos sinónimos, às vezes da gramática.

A tolerância e a fertilização de saberes e de experiências ao caminho escolhido arrasta abrangência. A incerteza científica tem de palmilhar a rua onde se encontram e se complementam dúvidas e experiências para depois haver quem estude os detalhes e encontre as causas dos sucessos.

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