Opinião: A morte vai nua

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Os mortos não têm defeitos. Após a morte, todos foram boas pessoas. Se for caso disso, antifascistas. Não estou a fulanizar, mas os meus oitenta anos viram, e ouviram, muita coisa.

Como o politicamente correcto nunca foi meu gosto, refiro, talvez repetindo-me, o caso de Cristina Torres, a minha velha amiga e professora. Acabou num quarto do Hospital da Misericórdia, para onde a minha mulher e eu a transportámos, depois de a encontrarmos, caída no chão, ensanguentada, em sua casa.

Passou os últimos tempos quase esquecida. Apenas o já falecido Mário Moniz Santos a visitava. Morreu, e o seu estatuto de democrata, que serviu a alguns como estandarte, tornou-se mais visível. Mas não esqueço os muitos dias em que ia até ao pé dela (era o gerente da hospital e, por razões profissionais, estava lá diariamente) e a encontrei triste e só. A velhice cobra-nos muitas vezes o custo de uma vida cheia.

A morte, os corpos enterrados, ou cremados, nivela-nos a todos. Quem não procura afugentar, fechar a morte, seja com remédios, seja refugiando-se na religião? Mas o tempo tem uma “componente” indelével: a memória dos outros.

Como, felizmente, nem todos temos Alzheimer, de vez em quando, há uns flashes a instigarem-nos a não esquecer. A imagem da morte, um esqueleto embrulhado num sudário, com uma foice às costas, a imagem tradicional, provoca-me uma pergunta: a morte vai nua, como todos nós quando nascemos?

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