Opinião – Sampaio, o falso lento

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Ricardo Castanheira

Claro que o golo do Jonas contra o Chaves tem mais plateia e relevância que a grande entrevista de Jorge Sampaio à Revista do Expresso, neste fim de semana. Mas como gosto de ir contra a corrente prefiro enaltecer, aqui, o exercício notável de cidadania do nosso ex-Presidente.

Repito, Jorge Sampaio confronta-nos – com clarividência, inteligência e sensibilidade notáveis – com os principais desafios do nosso tempo. A nível nacional, europeu e global.

Sampaio, que na gíria futebolística poderia ser considerado um “falso lento”, deu sempre mostras, nos respetivos mandatos políticos, de uma aparente latência, mas, na verdade, enfrentou com enorme coragem os desafios mais complexos. O último dos quais a dissolução do parlamento e a “queda” de Santana Lopes. Nesta entrevista de fundo, Sampaio não desilude e volta a meter o dedo na ferida.

A política deve atrair os melhores e para isso implica mudar o modelo e pagar pelo talento, disse Sampaio. Tem razão absoluta. Ninguém com dois dedos de testa, uma reputação, um salário digno e uma carreira se dispõe, hoje, a ser enlameado e exposto. Essa tendência tem um preço democrático, que já estamos a pagar.

Portugal tem de refletir sobre qual é o seu papel na Europa e no Mundo. Qual é o nosso diferencial estratégico e como podemos acrescentar valor económico e sermos politicamente relevantes. Esse é o desafio mais importante externamente, mas para isso importa olhar de outra forma para a União Europeia e para o mundo. Sampaio tem razão.

A reflexão sobre a continuidade da “Geringonça” deve ser sobretudo uma preocupação à esquerda do PS, dependendo se pretendem ou não ficar confinados ao isolamento de uma oposição que não conta e não influi, aliás como aconteceu até 2015. O PS tem de fazer o seu caminho com pragmatismo, como sublinhou Sampaio. E tem razão. O socialismo democrático, em Portugal, tem de se reinventar. E tal significa perceber que o Estado não chega para tudo e para todos, por isso importa redefinir o papel do dito e as prioridades essenciais. Concomitantemente, devem fortalecer-se as pontes com quem cria emprego e riqueza. A regulação é muito mais relevante que o intervencionismo. Sampaio ousou. E tem razão.

Enfim, tanto que foi dito de forma expressa e outro tanto subliminarmente, que merece várias leituras atentas deste oportuno, necessário e desassombrado testemunho cívico de Jorge Sampaio. Um luxo!

 

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