Opinião – Incêndio na Saúde – Que fazer? (experiência pessoal)

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Norberto Canha

Mobilizado como cirurgião do Hospital Militar n.º 241 ( 1961-63 ) verifico que o material era de campanha da Guerra de 1939, semelhante ao ou até o mesmo utilizado pelos americanos no Norte de África. A mesa de operações era uma maca que se apoiava em sustentáculos de madeira ou ferro. O aparelho de anestesia Heidbrink – este, com qualidade – só tinha duas pequenas botijas de oxigénio. A iluminação era feita por um foco alimentado por baterias. Pensei: “Mas com este material, não poderemos garantir a qualidade exigida pelos feridos ou doentes que teremos de tratar…”. Fizemos um relatório que entregámos ao Senhor Director do Hospital com aquilo que julgávamos indispensável para poder garantir a qualidade daquilo que julgávamos ser pretendido. Sou chamado ao comandante militar, dou-lhe as explicações. Pouco tempo depois, vai o Senhor Ministro da Saúde à Guiné e visita o Hospital Militar. Baseados no relatório, transmitimos as nossas carências. 15 dias depois estava lá um avião militar com tudo aquilo que dissemos ser necessário.
Em Moçambique, com as funções de Director Clínico ou apenas de Director de Serviço, dirijo-me ao Reitor, Professor Veiga Simão, dizendo que o número de enfermeiros era insuficiente para o funcionamento capaz do Hospital da Universidade, localizado na área do Hospital Miguel Bombarda (creio que, até, com a recuperação dos edifícios destinados à maternidade). Resposta pronta de Veiga Simão: “Mas tem tantos! Para que é que são precisos mais?” Sorri e disse-lhe: “Está a esquecer-se que o dia tem 24 horas, o que são 3 turnos de 8 horas, e ainda há os sábados e domingos…”. “Ninguém me tinha dito isso!… Vou já a correr falar com o Governador!…” E o assunto foi resolvido.
Como procedi em Coimbra?
Quando me jubilei, temendo o que viria a acontecer, fiz um relatório final – fui profeta! – com cerca de 400 ou 500 páginas, que espero vir a publicar se tiver cabimento de verba, e enviei um exemplar deste relatório ao Senhor Presidente da República Jorge Sampaio. Respondeu dizendo que o tinha enviado para uma entidade local, mas eu já a tinha presenteado com um exemplar igual…
O que deve ser feito em Coimbra?
Peço encarecidamente aos directores de todos os serviços dos Hospitais da Universidade – hoje CHUC – que façam relatórios semelhantes, expressando a situação em que se encontram, o que é indispensável que se faça para que os nossos serviços tenham a qualidade que já tiveram. Comuniquem ao Senhor Director do Hospital que cópias desse relatório individual ou colectivo que lhe irão entregar serão enviadas à Comissão de Saúde da Assembleia da República, aos partidos políticos, ao Senhor Ministro da Saúde e a Sua Excelência o Presidente da República. Até isto acontecer, a responsabilidade é vossa. A partir daí, passa a ser dos escalões hierárquicos a quem o enviaram.
Unam-se! Não se dispersem… Deixem-se de subserviência! Sejam ousados!… Que a população de Coimbra, como tem sido o seu comportamento, deixe de ser apática, só criticando sem nada fazer e a decadência de Coimbra continua a aumentar…
Para que pelo menos a saúde venha a ter a pujança que já teve. Para ela, vinham doentes de todas as partes do país e alguns dos seus cidadãos já se encaminham para o Porto e Lisboa. No nosso tempo, ocorria o contrário do que está a suceder… Deixemo-nos de estatísticas que escondem a verdade e leve-se em linha de conta a satisfação dos doentes e de quem trabalha nos serviços.
Já ouvi trabalhadores do Hospital dizerem: “Antes, no seu tempo, vinha com agrado para trabalhar no Hospital, maior agrado do que se ficasse em casa… Hoje, penso, oxalá não demore muito tempo para me reformar…”
Impõe-se, em todos os escalões do Estado, austeridade, para que o essencial nunca falte nem venha a faltar!

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