Opinião: Que fazer ao mérito?

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Paulo Simões Lopes

A nossa cultura e os nossos valores são resultado de uma mescla civilizacional com fortes influências dos povos que passaram pela península e das nossas relações coloniais. Por vezes “armazenámos” a memória coletiva, outras vezes, meros coadores, desprezámos o saber. Muito do que não nos chegou, perdeu-se no processo de sistematização, transmissão e até de manipulação, escondendo assim a iniciativa, a criatividade e, por fim, o mérito. Infelizmente, este desígnio estende-se com raízes tão fortes e profundas à economia da aprendizagem (learning economy), que muitas das nossas organizações ostentam a cartilha do desprezo pelo reconhecimento nas suas decisões.

Esta é uma das conclusões do estudo da FFMS, “Valores, Qualidade Institucional e Desenvolvimento em Portugal”. Tintim por tintim, o trabalho competente tem pouca relevância na valorização profissional e as “preferências e conexões pessoais têm um papel fundamental em várias situações”. Com pormenor e sem omitirem nada, provam que a máquina de injustiça social é uma imagem de marca nas relações de proteção das “famílias”, apesar do sistema meritocrático ter formalização jurídica, pelo menos, desde a nossa Constituição de 1822.

Em que estamos então a falhar? Será na educação? Estaremos a adaptá-la ao status-quo? Apesar das reconhecidas lacunas na educação formal, o problema estará na função que lhe queremos dar, no eterno destino entre a visão humanista e a preparação para a competição no mercado de trabalho, entre “pessoas capazes” e “profissionais competentes”.

Uma das organizações mais conotada com o reconhecimento pelos avanços científicos é a Fundação Nobel. Que o diga a família Curie que, entre os seus 5 prémios, conta o primeiro Nobel atribuído a uma mulher, a única a recebê-lo por duas vezes. A evolução da ciência levou a que hoje saibamos muito do que ela desconhecia, como o ter transportado no seu bolso, com consequências trágicas, os testes de rádio.

Também aprendemos que metade dos pacientes que recebam doses entre 0,5 e 1 Gy apresentam vómitos e diarreia, que isso é raro abaixo de 0,2 Gy, que 50 Gy danificam o tecido nervoso central ao ponto de poder causar a morte do indivíduo e que exposições nas gónadas acima dos 3,5 Gy provoca esterilidade permanente.

A propósito, recentemente foi lançado em livro um estudo na área dos exames radiológicos que relacionou os parâmetros de exposição, a dose nos doentes e a imagem obtida, tendo concluído que existia uma “grande heterogeneidade na forma de efetuar os procedimentos radiológicos”. Mais ainda, propõe um modelo otimizado, com novos parâmetros de exposição em que foi reduzida significativamente a dose nos doentes (em média 50%), tudo sem comprometer a qualidade da imagem radiológica.

Trata-se de uma grande investigação multidisciplinar, com dados antropométricos de 9.935 crianças e com extraordinários resultados sobre a exposição à radiação ionizante nas crianças ao nível da radiologia convencional pediátrica. Expõe também resultados ao nível dos efeitos biológicos da radiação e é um exemplo da evolução do legado dos pioneiros da radiobiologia, por exemplo, de Harold Gray (que emprestou o nome à unidade de medida da dose absorvida, Gy).

Basta relembrar os efeitos secundários da radiação ionizante nas crianças para que a comunidade científica não permita que o mérito desta “Nobre” investigação seja fossilizada.

Ainda a propósito de uma leitura às “Farpas” (tão atual esta caricatura de 1870 à sociedade de então!) de Ramalho Ortigão (e Eça de Queiroz), porque “Ninguem é grande nem pequeno n’este mundo pela vida que leva, pomposa ou obscura, solta ou aperreada. A categoria em que temos de classificar a importancia dos homens deduz-se do valor dos atos que elles praticam, das ideias que diffundem e dos sentimentos que communicam aos seus similhantes.”

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