Após as eleições para os órgãos da Ordem dos Advogados ( OA ) realizadas em 2016, sob o título “Um dia bom para a Advocacia e para a Justiça Portuguesas” escrevi neste jornal: “Os mandatos de Marinho Pinto continuados com o da agora derrotada Elina Fraga conduziram a advocacia portuguesa ao nível de prestígio mais baixo de que há memória. Norteados por um populismo desmedido, sem respeito pelos princípios e valores fundadores da profissão, não só desbarataram o prestígio de que os Advogados e a sua Ordem eram legítimos portadores, como tudo fizeram para descredibilizar a Justiça e as Magistraturas”. E acrescentei então: “O mandato que agora começa constitui, por isso, uma tarefa hercúlea para Guilherme Figueiredo. Não vai ser fácil inverter o caminho, mas o sinal foi dado.”
Uma das decisões tomadas, em boa hora, pelo Conselho Geral presidido por Guilherme Figueiredo, interpretando o sentimento e a exigência de muitos advogados, foi a de mandar realizar uma auditoria aos procedimentos e contas centrais dos últimos dois triénios ( 2011-2013 e 2014-2016 ) presididos pelos referidos Bastonários.
O relatório dado recentemente à luz, pese embora a limitação do seu âmbito, veio confirmar o que a maioria dos advogados já suspeitava quanto ao modo como a OA foi gerida nos últimos anos. E a sua leitura faz arrepiar pela falta de decência que revela! Para além da desorganização generalizada, que potencia sempre o benefício dos infratores, os montantes globais pagos a título de “serviços especiais” e de honorários de processos judiciais ascenderam a vários milhões de euros, no período em causa, sem qualquer procedimento aberto e transparente de escolha e, ao que foi apurado, mesmo sem qualquer controlo efetivo das contas apresentadas! E entre os beneficiários estão uns poucos advogados e sociedades de advogados, nalguns casos membros do próprio Conselho Geral – órgão que devia ser responsável pela contratação – o que é revelador de falta de pudor assinalável. A título exemplificativo, no triénio de 2014-2016, apenas dois advogados receberam de honorários, sem que as contas apresentadas tivessem a devida justificação, no total 356 000,00€! Acrescente-se a isto as elevadas retribuições auferidas pelos próprios Bastonários – bem distantes dos rendimentos médios auferidos pela esmagadora maioria dos advogados portugueses -, sem qualquer garantia ou controlo sobre o exercício exclusivo do cargo, e as chorudas compensações pela cessação dos mandatos (pasme-se!), para se perceber como o populismo e a demagogia serviram, no caso, apenas para encobrir interesses pessoais ou de grupo e não a classe que apregoaram defender. E isto quando se sabe que o grosso das receitas provém das quotizações dos advogados, quotizações essas que constituem, para uma grande parte destes, um sacrifício relevante.
Impõe-se, pois, que haja coragem para levar o apuramento dos factos até às últimas consequências. Não por qualquer motivação persecutória, mas como condição essencial para o reganhar do prestígio e autoridade da Ordem dos Advogados junto dos cidadãos e da comunidade judicial, absolutamente indispensável ao prestígio da Advocacia e da Justiça.
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