Opinião: Fardos de fome!

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Rui Baptista

Com o sugestivo título – “Quem deve pedir desculpa?” – foi publicado, ao sétimo dia deste mês de Novembro, um notável artigo de opinião de Guilherme Valente, no Jornal “Público”, de que destaco os primeiro e terceiro parágrafos iniciais:
“O discurso do arrependimento do Ocidente é esclerosante. É preciso libertar-se dele e pensar para além da vitimização. […] A pergunta que devemos colocar a nós próprios não é: porque sou mal acolhido; mas é: porque parto, porque deixo a minha terra.”

O discurso de vitimização de africanos e islâmicos já não se pode ouvir. É hoje um contra-senso que funciona como desculpa para elites e governantes não assumirem a responsabilidade que há muito lhes cabe na situação endémica dramática em que vivem a maioria das sociedades e povos da Africa e do Médio Oriente”.

Como um grito d’alma meu, tendo eu nascido em Luanda, vindo para Lisboa aos 14 anos de idade, onde me formei e fiz o serviço militar como oficial miliciano, posteriormente, como uma vivência profissional e afectiva de 18 anos em Lourenço Marques, filho de pais que viram a luz do dia na então chamada Metrópole embora diferente do documento de natureza histórica, de Guilherme Valente, em resposta a um artigo lamuriante de Elísio Macamo, professor moçambicano numa universidade suíça, sobre a presença portuguesa em África, não resisto, pela repetência de ambos os “libelos” injustos , de Elísio Macamo e de Machado da Graça, jornalista moçambicano, pessoas, julgava eu, com estudos sobre a realidade da colonização portuguesa que não merece ser distorcida a bel-prazer , trago à colação uma “carta ao director” por mim subscrita, há quase três décadas, com o título em epígrafe: “Fardos de Fome!” (“Público”. 22/09/90 ), em que escrevi:

“No limiar dos quinhentos anos da de demanda de Vasco da Gama à Terra da Boa Gente (Inhambane/Moçambique), de miscigenação e convívio lado-a-lado em ambiente de trabalho, entre brancos e negros, que tornaram os portugueses excepção dos povos que nunca se enraizaram em África, escreve o sr. Machado da Graça, jornalista moçambicano (“Público”, 30/07/90 ): (…) “não pude deixar de pensar na velha imagem cultural duma longa fila de negros transportando à cabeça os fardos do homem branco”!!

Recorda o sr. M.G. um passado perdido no tempo. Vivo, eu , o presente: segundo fontes oficiais, morreram mais de 600.000 pessoas em Moçambique, de 75 para cá! Inverto as nossa posições. Para ele ( 1990), o analfabetismo moçambicano é de 97 por cento! De acordo com a revista “Jeune Afrique” ( 1972 ), Moçambique possuía maior índice de escolarização do que grande parte dos estados africanos!

Não será essa a percentagem de famintos e de mortos, após a independência de Moçambique? Contas bem feitas, dos 3 por cento restantes. um de férias bem burguesas em Portugal – o sr. Machado da Graça.

Lá longe, em sua terra distante, incontáveis mães pretas, banhadas em pranto, mãos trémulas e fracas, seios caídos, quais odres vazios, abraçam em despedida os filhos que, em lenta e esfaimada agonia, lhes morrem nos braços esqueléticos – que o sangue do sofrimento não alimenta como o leite materno!

Nesse preciso momento, o sr. M.G, segundo o seu próprio dizer, “pega na toalha e volta para a beira-mar, que lá é que se está bem” !…” (fim de citação).

Este “Mar Português”, de Fernando Pessoa, merecia o respeito do senhor Elísio Macamo, em nome de factos históricos suportados pelo seu estatuto de docente universitário. A propósito, dou-lhe a conhecer versos pessoanos sobre a verdadeira epopeia dos Descobrimentos Portugueses em que arriscaram a vida navegadores lusitanos para “dar ao mundo novos mundos”, na gesta do nosso imortal Épico, Luíz Vaz de Camões:

Ó mar salgado, quando do teu sal
São lágrima de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em não rezarem!

Quantas noivas ficarem por casar
Para que fosses nosso. Ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem passa além do Bojador
Tem que passar além da dor
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

Razão assistiu a Alexandre Herculano: “A ingratidão dos povos é mais escandalosa que a das pessoas”! Mas não tomemos a nuvem por Juno, o depoimento de Elísio Macamo não reflecte, certamente, a generosa alma do povo moçambicano!

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