Opinião – É preciso queimar os jornalistas?

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Bruno Paixão

Os períodos de campanha eleitoral continuam a assemelhar-se a um barril de pólvora cujo rastilho é demasiado curto. Aliás, curtíssimo. Quando aceso, rapidamente se desencadeiam com estrondo animosidades opostas ao ideal de democracia plena.

A discussão de ideias, programas e soluções facilmente tem sucumbido a altercações beligerantes, que nos afastam, a nós, eleitores, com a sua atmosfera nefasta.

A causa do ambiente eleitoral poluído não pode ser assacada apenas aos políticos, embora alguns se comportem maleficamente perante o horizonte de sucesso de um adversário e, por conseguinte, de uma derrota sua.

Os seus apoiantes, hoje com a possibilidade de teclarem nas redes sociais todas as alarvidades que quiserem, literalmente todas, sabendo que uma quadrilha de primatas carregarão likes nos seus posts inflamados, converteram-se nos novos gaiteiros digitais, que fazem alarido, reproduzem chavões quase sempre infetados de ódio aos oponentes, insultam as opiniões contrárias e parecem sentir-se felizes neste apodrecimento social. Tenho a ideia de que nas redes sociais o número de pessoas forçadas a bloquear outras, para se precaverem de serem insultadas, deve disparar por ocasião das eleições.

Mas há outros factos que não sendo novos continuam a reproduzir-se durante as campanhas. As sondagens, que medem as intenções de voto dos eleitores, revelam, na grande maioria das vezes, a ignorância generalizada dos que gastam tempo a comentá-las. Por norma, elas questionam qual o sentido de voto caso as eleições ocorram naquele preciso momento em que a entrevista é feita. A predisposição do eleitorado no dia da votação não é necessariamente igual às intenções a uma semana, a quinze dias, a um mês ou a um ano da eleição.

Ora, com uma margem mais ou menos dilatada de indecisão, as sondagens apenas projetam um resultado condicionado por uma data. Sabe-se também que as inúmeras variáveis e os diferentes métodos de realização e de análise podem perverter os valores finais. Por isso, desvalorizá-las ou enaltecê-las é algo absolutamente normal. O que já não é normal é atear-se uma fogueira onde se pretende queimar órgãos de informação e jornalistas pelos resultados que os estudos de opinião permitem divulgar. Por outro lado, com tantos fatores falíveis, e por vezes podem ser mesmo muito falíveis, como já aconteceu em tantas ocasiões, podemos questionar se vale a pena continuarmos a sobrevalorizar as sondagens, uma vez que aparentemente elas sãos suscetíveis de terem o mesmo valor que um qualquer palpite.

Conhecendo-se o efeito produzido pelas sondagens na mobilização dos eleitores e na formação de opinião, não basta que sejam publicados os dados técnicos, como o método de recolha de entrevista, o universo de inquiridos e como contabilizar os indecisos. Os órgãos de informação veem por certo a oportunidade excecional de, a partir de uma sondagem, ter um vislumbre do que pode acontecer no dia das eleições. Ainda que esse seja um vislumbre falível. Devíamos pensar se fará porventura sentido a Entidade Reguladora da Comunicação Social, sendo a fiel depositária das sondagens publicadas pelos órgãos de informação e sendo a instituição que confere a acreditação aos diversos centros de estudos de opinião, comparar as projeções com os resultados finais e assim estabelecer um ranking dos centros de sondagens. Com isto não defendo que faça sentido tal coisa, apenas sustento que o assunto seja discutido por todos os implicados, por forma a não recusarmos o melhor elemento de prova que é a comparação com o resultado efetivo. Aqui entre nós, todos os políticos que criticam as sondagens já as encomendaram em algum momento a sua trajetória. Não se compreende por isso que os perdedores, confrontando-se com o retrato cruel da derrota, tenham querido queimar jornalistas. Era mesmo preciso?

Nota de rodapé: A campanha de Manuel Machado contou com um fator distintivo que, a meu ver, ajudou a fazer a diferença, quer na rua quer nas redes sociais, onde transmitiu de forma legível e sucinta, passou bem as ideias e mostrou que é preciso ter jeito natural para o marketing e amor às causas. Uma mulher empenhada, agradável, combativa, assertiva e com uma energia contagiante. A ela se deve muito do êxito alcançado. Se a alguém passou despercebida, é médica e chama-se Marta Brinca.

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