Opinião: As razões do nosso atraso

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Aires Antunes Diniz

Vivemos este verão um tempo difícil, em que nos faltou sempre a perceção das razões do nosso atraso, tornando-nos alvo da chacota de outros países pois parecia que nada sabíamos da arte de combater os fogos florestais. Conclui até o Financial Times que são a consequência de “décadas de negligência, êxodo rural e afastamento do poder político”.(In www.noticiasaominuto.com/pais/855133/fogos-provam-negligencia-de-lisboa-face-a-interior-diz-financial-times, acesso em 7 de Outubro de 2017 ).
Dois séculos antes, José Bonifácio de Andrada e Silva “Percebia o atraso de Coimbra em relação a outros centros de estudo na Europa – a escola de Freiberg marcaria sua orientação. Ali teve como amigos Alexander von Humboldt, Leopold von Buch e Del Río” ( 1 ).
Percebemos também nós agora que estamos afastados dos centros de estudo, que nos podiam ajudar a perceber este drama e a gizar estratégias de combate a este flagelo todos os anos repetido.
Muitos pensam que estivemos sempre afastados de Alexander von Humboldt, mas basta procurar nalguns exemplares do Jornal de Coimbra da década de 1810 para logo encontrar referências a este sábio incansável, encontrando cientistas portugueses que o citam. Mas, se procurarmos em outros livros e jornais nada encontraremos que nos sintonize com o progresso científico. Parece por isso haver contra a ciência um muro de silêncio que nos atrasa.
Por outro lado, assistimos desde há anos a uma desvalorização do ensino como atividade docente, que valoriza a interação professor/aluno de modo a conseguir a sua emancipação como preparação para a autoformação.
Fazendo parte da forma de atrasar/desvalorizar a educação pública, assistimos agora a um processo continuado de equivalências e de desvalorização das aprendizagens em contexto de sala de aula. Fomos antes confrontados com a “invenção portuguesa” do sistema de ensino por unidades capitalizáveis, cujo objetivo era acabar com o ensino noturno. Seguiu-se o processo degradante das “Novas Oportunidades”, cujo objetivo era certificar competências, que os “alunos” não tinham nem podiam ter dada a forma como se processa a valorização profissional nas empresas na era da pós-verdade. E no fim já não há em Portugal ensino para adultos que se veja.
Só há agora uma certificação, presumo, “bem regada por euros” em escolas universitárias e politécnicas, que incrivelmente podem até ser públicas, que introduzem criminosamente na vida social e económica falsas competências.
São “práticas pouco educativas”, que vemos obscenamente somadas à tradicional sucessão de “décadas de negligência, de êxodo rural e de afastamento do poder político”. E que até explicam bem a realidade sofredora e degradante do nosso martirizado mundo rural…

( 1 ) In https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Bonif%C3%A1cio_de_Andrada_e_Silva, acesso em 5 de outubro de 2017.

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