Opinião: Um tipo muito fixe

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Bruno Paixão

Jeston Bloom é um tipo peculiar, algo afoito, que me habituei a ver sempre com a mesma mochila carregada de câmaras, desde há uns 15 anos para cá. Ligou-me há dias a dizer que vinha a Portugal fotografar a campanha autárquica.

É há muito o fotojornalista principal de um jornal inglês de referência. Claramente não lhe interessava quer o Porto quer Lisboa – contrariamente a todos os governos, que não se ocupam realmente com muito mais senão em alimentar estas duas máquinas sorvedoras. Sugeri a região centro, que, aliás, ele conhece bem desde os tempos em que por cá passou pela universidade, em que ficámos bons amigos.

Chegou na segunda-feira. Tinha chovido durante a noite e as nuvens negras precipitavam o fim do verão. O céu ainda encoberto deu-lhe um estranho conforto. “Parece que estou em casa”, disse-me ao telefone num português esforçado depois de aterrar no aeroporto de Lisboa. Chegou a Coimbra umas horas depois. “Demorei menos de Inglaterra a Lisboa que de Lisboa a Coimbra”.

Jeston Bloom é um tipo muito fixe e com um humor cáustico. Aparenta ter aquele ar de quem anda sempre arreliado, e parece trazer empedernida uma ironia sobranceira. Mas é também o tipo mais afável e bem-disposto que alguma vez conheci. O seu ar grave e circunspecto é apenas a imagem de marca que vem cultivando enquanto jornalista – porventura um dos mais bem preparados da nossa geração.

Para saciar o tempo entre Lisboa e Coimbra, passou a viagem a consultar notícias sobre a vida política local, para ficar a par de tudo, como se nunca de cá tivesse saído. Perguntei-lhe se fazia sentido um aeroporto. “Por que não? Como achas que viajam hoje as pessoas?” Ficámos a falar no tema que tem dominado as autárquicas em Coimbra e ele a entregar-me argumentos a favor de um aeroporto de menor dimensão que fará convergir o mundo para a cidade, para a hotelaria, para a economia e para o turismo, para os grandes congressos e espetáculos do Convento de São Francisco e para o mar da Figueira, para os trails de Penacova, para a Serra da Lousã…

Deixei-o vaguear um pouco sozinho pela Baixa, apenas marcámos hora e local. Desencontrámo-nos. Nova chamada dele: “Estou aqui ao pé daquela estátua”. A da Cindazunda? “Essa!”, respondeu. Quando me aproximei de carro ele estava a fotografá-la. Pediu-me para ali voltarmos à noite, ficou visivelmente encantado com a arte. Contei-lhe a história da princesa, na narrativa avalizada pelo professor Carvalho Homem. Ele fotografou-a sem fim.

Parámos na Praça da República. Os largos passeios que acolhem as novas esplanadas deram-nos uma sensação de fim de tarde sem agitação, sentindo a luz majestática serpenteando entre a folhagem das árvores. Mostrei-lhe a vista de Coimbra a partir do Hotel Sapientia. Não conteve um “Oh, it’s amazing…”, ou algo do género.

Entretidos com as lembranças, foi muito fácil perceber o quanto Jeston Bloom continua a amar esta Coimbra encantada que foi, é, e será sempre, o local aprazível onde os nossos sonhos voam e esperançados para aqui regressam. “Coimbra boomerang”, disse ele. Cofiando a barba de três dias, fala com voz tão clara que quase se pode ver através das suas palavras.

Jeston Bloom é um tipo peculiar. Andou incógnito no meio das campanhas. Pediu-me ajuda para ler as propostas. Fotografou nas ruas. Visitou outros concelhos à volta. Veio despedir-se e dizer não perceber a nossa portugalidade de andarmos sempre a querer vender a ideia de mudança radical, sendo esse o slogan mais usado em todos os locais e por todas as oposições. Jeston Bloom é um tipo muito fixe, tem visto muito mundo. Jeston Bloom diz que “o principal a fazer em Coimbra é todos os dias abrirmos cortinas, para a podermos ver sempre desfolhada nas suas transparências”.

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