Opinião: História incompleta de um Homem

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Aires Antunes Diniz

Um livro estranho encontrado na feira de velharias na Guarda fala-me de um homem que, ao escrever e publicar um livro, encontrou o caminho tenebroso da destruição da sua vida familiar e profissional. Disso só se libertou por força da aventura pessoal de se incorporar na Legião Estrangeira e da influência de uma “Nossa Senhora de Fátima (que) anda, em procissão solene, visitando todas as localidades da Diocese de Coimbra. O povo faz grande receção à imagem e organiza manifestações de fé.” ( 1 )
Nada se diz do teor do livro, nem sequer se fala de censura organizada pelo Estado Novo e da sua polícia política, intui-se apenas que tudo resulta da malfadada inveja dos que não sabendo escrever, nem tendo vontade de sacrificar o lazer ou melhor abandonar o seu dolce fare niente decidem perseguir quem se afoita a fazê-lo. Aconteceu a Félix de Avelar Brotero e a muitos outros que se lhe seguiram, explicando as nossas frágeis produções científicas e a amargura de quem pensou que escrevendo ganhava alguma coisa com isso.
Tudo acontece neste nosso país diferentemente de outros, onde a máxima “Publish or Perish” vale como critério de qualidade científica, estando reservada aos que não escrevem o perecer por insuficiente capacidade científica. Aqui o nosso herói emigra para sobreviver, mas não foi para prosseguir uma carreira científica, mas sim fazer uma carreira militar na “estranja”. E assim se libertou do seu malfadado passado.
Enquanto isso acontece em Portugal sobrevivem muito bem os que pouco ou nada produzem. Conseguem-no aniquilando os que se atrevem a escrever para, no fim, declarar que nada se pode fazer por falta de condições algo e que eles tentam por tudo impedir a sua criação. Alguns, contudo, tentam por artes mágicas assinar o pouco que foi feito ou arranjar uns escravos ou até uns ingénuos que façam algo que eles possam assinar. Usam até recursos públicos e o trabalho de pesquisadores pouco conhecidos que fazem o trabalho duro de que logo se apropriam usando o poder que têm.
E de tudo isto fui tendo conhecimento prático ao longo da vida.
Foi por isso bom para o país integrar-se em espaços científicos mais largos, onde se encontram recursos e colegas estrangeiros, que apoiam os melhores dos nossos pesquisadores nacionais.
De facto, felizmente existem redes internacionais de investigadores, onde quem trabalha com honestidade e competência se pode integrar e singrar com dificuldades decerto, mas sempre com reconhecimento aí dos seus pares. Mas terá sempre de se afastar dos seus falsos amigos nacionais, os que só o procuram manietar, criando assim a sua independência real das malhas com que estes sempre o querem subjugar.
Devem ser audazes porque só assim a sorte os irá proteger.

( 1 ) Vicente Milhano – História incompleta de um Homem (Novela), Edição da Casa Milhano, Covilhã, 1951, p. 33.

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